Novo parasita identificado no Brasil causa doença que pode levar a óbito
Araras, Sorocaba, Lagoa do Sino, São Carlos
Pesquisadora da UFSCar integra grupo que desenvolve estudos sobre a espécie, junto com professores da USP e da UFS
Um levantamento feito por pesquisadores brasileiros indica que sintomas semelhantes aos da leishmaniose podem ser causados por um parasita diferente que não responde ao tratamento tradicional aplicado para casos de leishmaniose. O novo parasita tem infectado pessoas em Sergipe desde 2011, causando uma morte; e já há uma segunda morte suspeita, que está sob investigação pelos pesquisadores.
O estudo é liderado por Sandra Maruyama, pesquisadora visitante do Departamento de Genética e Evolução (DGE) da UFSCar, por meio do Programa Jovem Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com colaboração de João Santana Silva, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), e de Roque Pacheco de Almeida, do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS), que fez o diagnóstico e tratamento dos pacientes. O trabalho também conta com a participação de José Ribeiro, pesquisador brasileiro que atua no Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, em Maryland, nos Estados Unidos. A pesquisa foi realizada, com apoio da Fapesp (Processo: 2016/20258-0), no âmbito do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), que é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), e continua em andamento na UFSCar, pelo Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes (JP/Fapesp), no qual, desde 2017, Maruyama coordena um projeto que usa abordagens genômicas para estudar a leishmaniose.
A pesquisa partiu do caso de um paciente de Aracaju (SE) que, em 2011, foi diagnosticado e tratado por Almeida, especialista em leishmaniose e responsável pelo diagnóstico de mais de 11 mil casos da doença desde 1984. "Apesar daquele paciente apresentar sintomas de leishmaniose visceral [o tipo mais grave da doença], ele não respondeu aos tratamentos convencionais, tendo tido três recidivas que resultaram em reinternações. Na última delas, além dos sintomas da forma visceral, o paciente passou a apresentar lesões cutâneas disseminadas pelo corpo. Essas lesões são típicas de outro tipo da doença, a leishmaniose tegumentar [mais branda], no entanto, nesse paciente elas eram diferentes das lesões da leishmaniose tegumentar", relata Almeida. O professor afirma que, até então, nunca tinha visto um caso como esse que terminou em óbito.
Amostras coletadas desse paciente foram encaminhadas à FMRP-USP. "A princípio, pensávamos que se tratava de um protozoário parasita do gênero Leishmania. Há mais de 30 espécies, sendo que uma dezena delas ocorre no Brasil, causando leishmaniose. Nós tentamos identificar o parasita pelos métodos tradicionais, comparando-o a outras espécies conhecidas de Leishmania, mas o 'bicho' não se parecia com nenhuma delas", relembra Silva, Professor Emérito da FMRP-USP e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A partir de então, a identificação do parasita ficou a cargo de Maruyama, que integrava a equipe de Silva na época. "Ao sequenciar o genoma do novo parasita, verificamos que, de fato, não se tratava de Leishmania. Ele revelou-se semelhante, mas não igual, a um outro parasita, exclusivo de insetos, chamado Crithidia fasciculata", relata a pesquisadora. Maruyama explica que os gêneros Crithidia e Leishmania são da mesma família de parasitas que o Trypanosoma cruzi, que causa a Doença de Chagas. "No entanto, espécies de Crithidia não são capazes de infectar mamíferos e, portanto, não causam doenças no homem", acrescenta ela.
Diante disso, os pesquisadores testaram o novo parasita em infecções usando modelos animais e puderam comprovar que, além de humanos, ele também foi capaz de infectar camundongos em laboratório. "Ainda não se sabe se o novo parasita pertence a uma linhagem diferente de Crithidia fasciculata ou se trata de um gênero inteiramente novo, causador de uma doença assemelhada à leishmaniose, porém mais grave", diz Maruyama. A expectativa dela é realizar descrição da nova espécie nos próximos meses para que a doença possa ser nomeada. "Também ainda não sabemos se o parasita, por si só, é capaz de causar uma doença semelhante à leishmaniose, ou se ele estaria agravando casos típicos de leishmaniose visceral", pondera a pesquisadora.
De acordo com Almeida, dependendo da comprovação das hipóteses levantadas, será possível explicar o aumento da letalidade dos casos de leishmaniose visceral no Brasil. "Em contrapartida, é possível que estejamos diagnosticando casos de leishmaniose visceral quando, na verdade, trata-se de uma nova doença, mais grave e para a qual ainda não existe tratamento específico", diz. O pesquisador relata também que, em Aracaju, desde 2011, há parasitas isolados de cerca de 150 casos de leishmaniose visceral, mas somente a partir de 2015, com o sequenciamento do genoma, é que descobriram que, em mais de um terço dos casos investigados, os pacientes estavam infectados com o novo parasita. Esses pacientes estão sendo tratados com o mesmo protocolo para leishmaniose até que um novo tratamento seja elaborado.
"É importantíssimo identificar o parasita corretamente, para garantirmos o tratamento mais adequado. Nesse sentido, desenvolvemos em nosso grupo um método de diagnóstico molecular que consegue diferenciar o novo parasita das espécies de Leishmania. Atualmente, estamos otimizando o método para melhorar a sua sensibilidade e aplicação em amostras de sangue e tecidos de pacientes, bem como em possíveis espécies de animais reservatórios e insetos vetores. Também é necessário testar quais drogas são eficazes contra esse parasita", complementa Maruyama.
Apesar do estudo estar concentrado nos casos de pacientes infectados em Sergipe, devido à parceria com a UFS, a pesquisadora considera que pode haver outros casos semelhantes espalhados pelo Brasil. "Pode estar em outras áreas porque é uma doença transmitida por insetos vetores. Ainda não sabemos a espécie desse inseto, mas as doenças transmitidas por mosquitos têm avançado muito devido ao aquecimento global e o consequente aumento de temperatura em regiões que eram mais frias", diz Maruyama. Mesmo sem a identificação do inseto vetor e do próprio parasita, Maruyama destaca que a principal forma de prevenção contra a doença é acabar com os criadouros de insetos, como já é indicado no combate à dengue, por exemplo.
O atual estudo foi divulgado em artigo na revista do Centro de Controle de Doenças Infecciosas (CDC) dos Estados Unidos.
O estudo é liderado por Sandra Maruyama, pesquisadora visitante do Departamento de Genética e Evolução (DGE) da UFSCar, por meio do Programa Jovem Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com colaboração de João Santana Silva, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), e de Roque Pacheco de Almeida, do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS), que fez o diagnóstico e tratamento dos pacientes. O trabalho também conta com a participação de José Ribeiro, pesquisador brasileiro que atua no Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, em Maryland, nos Estados Unidos. A pesquisa foi realizada, com apoio da Fapesp (Processo: 2016/20258-0), no âmbito do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), que é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), e continua em andamento na UFSCar, pelo Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes (JP/Fapesp), no qual, desde 2017, Maruyama coordena um projeto que usa abordagens genômicas para estudar a leishmaniose.
A pesquisa partiu do caso de um paciente de Aracaju (SE) que, em 2011, foi diagnosticado e tratado por Almeida, especialista em leishmaniose e responsável pelo diagnóstico de mais de 11 mil casos da doença desde 1984. "Apesar daquele paciente apresentar sintomas de leishmaniose visceral [o tipo mais grave da doença], ele não respondeu aos tratamentos convencionais, tendo tido três recidivas que resultaram em reinternações. Na última delas, além dos sintomas da forma visceral, o paciente passou a apresentar lesões cutâneas disseminadas pelo corpo. Essas lesões são típicas de outro tipo da doença, a leishmaniose tegumentar [mais branda], no entanto, nesse paciente elas eram diferentes das lesões da leishmaniose tegumentar", relata Almeida. O professor afirma que, até então, nunca tinha visto um caso como esse que terminou em óbito.
Amostras coletadas desse paciente foram encaminhadas à FMRP-USP. "A princípio, pensávamos que se tratava de um protozoário parasita do gênero Leishmania. Há mais de 30 espécies, sendo que uma dezena delas ocorre no Brasil, causando leishmaniose. Nós tentamos identificar o parasita pelos métodos tradicionais, comparando-o a outras espécies conhecidas de Leishmania, mas o 'bicho' não se parecia com nenhuma delas", relembra Silva, Professor Emérito da FMRP-USP e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A partir de então, a identificação do parasita ficou a cargo de Maruyama, que integrava a equipe de Silva na época. "Ao sequenciar o genoma do novo parasita, verificamos que, de fato, não se tratava de Leishmania. Ele revelou-se semelhante, mas não igual, a um outro parasita, exclusivo de insetos, chamado Crithidia fasciculata", relata a pesquisadora. Maruyama explica que os gêneros Crithidia e Leishmania são da mesma família de parasitas que o Trypanosoma cruzi, que causa a Doença de Chagas. "No entanto, espécies de Crithidia não são capazes de infectar mamíferos e, portanto, não causam doenças no homem", acrescenta ela.
Diante disso, os pesquisadores testaram o novo parasita em infecções usando modelos animais e puderam comprovar que, além de humanos, ele também foi capaz de infectar camundongos em laboratório. "Ainda não se sabe se o novo parasita pertence a uma linhagem diferente de Crithidia fasciculata ou se trata de um gênero inteiramente novo, causador de uma doença assemelhada à leishmaniose, porém mais grave", diz Maruyama. A expectativa dela é realizar descrição da nova espécie nos próximos meses para que a doença possa ser nomeada. "Também ainda não sabemos se o parasita, por si só, é capaz de causar uma doença semelhante à leishmaniose, ou se ele estaria agravando casos típicos de leishmaniose visceral", pondera a pesquisadora.
De acordo com Almeida, dependendo da comprovação das hipóteses levantadas, será possível explicar o aumento da letalidade dos casos de leishmaniose visceral no Brasil. "Em contrapartida, é possível que estejamos diagnosticando casos de leishmaniose visceral quando, na verdade, trata-se de uma nova doença, mais grave e para a qual ainda não existe tratamento específico", diz. O pesquisador relata também que, em Aracaju, desde 2011, há parasitas isolados de cerca de 150 casos de leishmaniose visceral, mas somente a partir de 2015, com o sequenciamento do genoma, é que descobriram que, em mais de um terço dos casos investigados, os pacientes estavam infectados com o novo parasita. Esses pacientes estão sendo tratados com o mesmo protocolo para leishmaniose até que um novo tratamento seja elaborado.
"É importantíssimo identificar o parasita corretamente, para garantirmos o tratamento mais adequado. Nesse sentido, desenvolvemos em nosso grupo um método de diagnóstico molecular que consegue diferenciar o novo parasita das espécies de Leishmania. Atualmente, estamos otimizando o método para melhorar a sua sensibilidade e aplicação em amostras de sangue e tecidos de pacientes, bem como em possíveis espécies de animais reservatórios e insetos vetores. Também é necessário testar quais drogas são eficazes contra esse parasita", complementa Maruyama.
Apesar do estudo estar concentrado nos casos de pacientes infectados em Sergipe, devido à parceria com a UFS, a pesquisadora considera que pode haver outros casos semelhantes espalhados pelo Brasil. "Pode estar em outras áreas porque é uma doença transmitida por insetos vetores. Ainda não sabemos a espécie desse inseto, mas as doenças transmitidas por mosquitos têm avançado muito devido ao aquecimento global e o consequente aumento de temperatura em regiões que eram mais frias", diz Maruyama. Mesmo sem a identificação do inseto vetor e do próprio parasita, Maruyama destaca que a principal forma de prevenção contra a doença é acabar com os criadouros de insetos, como já é indicado no combate à dengue, por exemplo.
O atual estudo foi divulgado em artigo na revista do Centro de Controle de Doenças Infecciosas (CDC) dos Estados Unidos.
15/10/2019
13:00:00
30/10/2019
23:59:00
Gisele Bicaletto
Sim
Não
Estudante, Docente/TA, Pesquisador, Visitante
Imagem do novo parasita comparado com exemplares de Leishmania (Foto: Reprodução)
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