Projeto da UFSCar diminui cesáreas em hospital de Piracicaba
São Carlos
Iniciativa contou com capacitações dos profissionais e reorganização na assistência às gestantes
Um projeto de extensão da UFSCar foi finalizado recentemente no Hospital de Fornecedores de Cana (HFC) de Piracicaba, no interior do estado de São Paulo. O projeto foi coordenado pelo professor Humberto Hirakawa, do Departamento de Medicina (DMed) da Instituição e conseguiu diminuir em 30% o número de cesáreas e em 35% a taxa de ocupação da UTI Neonatal do Hospital.
O projeto foi desenvolvido em três partes - diagnóstico, intervenção e monitoramento dos novos processos. De acordo com o docente da UFSCar, a situação encontrada no Hospital não divergia da realidade da assistência obstétrica brasileira, com uma postura mais intervencionista, trocas de profissionais a cada 6 ou 12 horas, condutas não padronizadas e assistência médico-centrada.
Quando as ações da UFSCar foram iniciadas, o Hospital de Piracicaba, que atende o Sistema Único de Saúde (SUS) e a saúde suplementar (convênios e particulares), contabilizava 70% dos nascimentos feitos por procedimento cirúrgico (cesárea) e a ocupação da UTI Neonatal era de 80%. O projeto da Universidade atuou em diversas frentes, e o ponto central foi o trabalho multiprofissional, principalmente na parceria entre médicos e serviço de enfermagem.
"A assistência precisa ser estruturada na relação médico-enfermeira-obstetriz permitindo uma atuação que une técnica e prática", defende o docente da UFSCar. Nesse sentido, foi proposta para a direção do Hospital uma reorganização do trabalho, com a incorporação de novos profissionais, como obstetrizes e doulas, e com a horizontalização do cuidado por meio de uma escala de horários que permitia que os mesmos profissionais estivessem todos os dias no Hospital, ao menos durante seis horas. Para o professor, a presença de uma mesma equipe de profissionais transmite mais segurança para a gestante e a continuidade dos procedimentos destinados ao atendimento às pacientes.
Nara Laine Caetano é enfermeira obstétrica em São Carlos e foi apoiadora do projeto em Piracicaba. Ela relata que atuou junto aos profissionais do Hospital para mudar o olhar sobre o processo do parto e da assistência à mulher, destacando a natureza fisiológica que, na maioria das vezes, necessita de suporte e não de intervenções. "Oferecer uma dieta diferenciada à mulher em trabalho de parto e a adequação na ambiência dos quartos, criando condições mais favoráveis para o parto, são mais eficientes que intervenções feitas rotineiramente sem a devida comprovação de seu benefício", destaca Caetano. Esses são exemplos de ações executadas, assim como a padronização nas condutas de cuidado à gestante, aperfeiçoamento do sistema de classificação de risco e implantação de sistema de identificação precoce de pacientes com potencial de piora. Outro ponto importante, citado por Hirakawa, foi a requalificação dos profissionais, com destaque no treinamento das equipes de enfermagem e dos médicos residentes que ficam na linha de frente do atendimento.
Dentre os principais resultados, o coordenador destaca o incremento no número de partos normais e a queda dos procedimentos cesarianos (de 70 para 40%) e também a diminuição da taxa de ocupação dos leitos da UTI Neonatal (de 80 para 45%). Outros resultados positivos foram a diminuição no número de episiotomias (incisão efetuada na região do períneo para ampliar o canal de parto) e o aumento no número de partos com acompanhantes.
O projeto desenvolvido em Piracicaba partiu do convite dos gestores do Hospital de Fornecedores de Cana do município ao professor Humberto Hirakawa após os resultados positivos de ação semelhante desenvolvida na Maternidade Dona Francisca Cintra Silva, em São Carlos, integrada à Santa Casa de Misericórdia da cidade. O docente da UFSCar era coordenador da unidade e, durante o ano de 2017, também realizou mudanças na organização do trabalho e na assistência às gestantes, resultando na queda do número de cesáreas de 60 para 35%.
Para Miki Mochizuki, Diretor Técnico do HFC, o trabalho desenvolvido pela UFSCar no Hospital quebrou o paradigma do serviço hospitalar no município. "Houve uma imediata inversão do número de partos cirúrgicos em relação aos partos vaginais. Tradicionalmente, a grande maioria dos partos era por via cirúrgica e isso foi invertido logo nas primeiras semanas de atuação. Os números mostrados e os resultados foram um ponto de inflexão para o modelo de trabalho dos médicos mais antigos da casa, que entenderam que é possível instituir mudanças naquilo em que são experientes e que essas mudanças podem colaborar para produzir uma melhor assistência à população", relata o médico valorizando também a queda de ocupação nos leitos da UTI Neonatal.
Com o encerramento do projeto da UFSCar, Mochizuki aponta que as ações implementadas terão continuidade. "Um projeto como esse necessita de supervisão e estudo a longo prazo para que seus efeitos sejam incorporados e passem a ser a rotina do serviço", conclui.
Parto normal e cesárea
Humberto Hirakawa e Nara Caetano destacam a importância de estimular o parto normal para as gestantes pelos inúmeros benefícios que ele oferece. Por ser um processo fisiológico do organismo, o parto normal tem recuperação mais rápida, com menor risco de hemorragias e outras complicações, facilita a amamentação e o cuidado da mãe com o bebê. Já o procedimento cirúrgico pode aumentar o risco de infecções, hemorragias, fenômenos tromboembólicos, lesões na bexiga, problemas da anestesia, além de dificuldades na amamentação, devido ao período pós-operatório, podendo dificultar o estabelecimento de vínculo mãe-filho. Além disso, a cesárea pode causar problemas secundários como sepse, necessidades de novas cirurgias, reinternações e dificuldades de novas gestações. Para o bebê, a cesárea aumenta a chance de problemas pulmonares e até alterações na colonização bacteriana do trato intestinal.
No entanto, o médico explica que a cesárea é um procedimento necessário e deve ser indicado em casos em que o feto está com sinais de falta de oxigênio, quando o trabalho de parto não tem evolução adequada ou as condições maternas não permitam o parto normal.
Nova legislação
O projeto de lei 435/2019 da deputada Janaina Paschoal (PSL), de São Paulo, foi aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo em agosto deste ano e garante à gestante a possibilidade de optar pela cesárea a partir da 39ª semana de gestação, assim como pela analgesia, mesmo quando for escolhido o parto normal.
Humberto Hirakawa aponta que o projeto de lei garante a autonomia da mulher, mas alerta que ele pode acabar estimulando o aumento dos procedimentos cirúrgicos nos partos. Atualmente, o estado de São Paulo realiza cerca de 60% de cesáreas entre SUS e saúde suplementar, quando o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é que esse número não ultrapasse os 20%.
De acordo com o professor, o número de cesáreas vem crescendo alavancado pelo SUS, já que nos convênios as taxas são historicamente elevadas. Enquanto isso, a taxa da mortalidade materna também tem crescido e alcança 50 casos a cada cem mil nascidos vivos, quando o ideal é que este número seja abaixo de 20. "Isso mostra que a cesárea não oferece mais chances de vida para a mulher. Os índices comprovam que o aumento de procedimentos cirúrgicos pode estar associado ao crescimento das taxas de mortalidade das mães", alerta Hirakawa.
Em relação à autonomia da mulher na escolha pela via de parto, o professor da UFSCar defende que deve ser respeitada, "mas é fundamental que essa autonomia seja exercida de forma verdadeira, baseada em informações legítimas que mostrem os reais benefícios e malefícios dos tipos de parto, com base naquilo que a mulher deseja e, principalmente, tendo como suporte uma assistência de qualidade". Para Nara Caetano, a assistência à gestante precisa ser qualificada, promover segurança e encorajamento à mulher sobre sua força e capacidade de conseguir realizar o parto normal. "Isso começa no pré-natal com as informações adequadas sobre via de parto, riscos, indicações reais de cada processo para que as mulheres cheguem à maternidade já informadas", destaca a enfermeira obstétrica.
Para Hirakawa a inadequação do projeto de lei proposto está no fato de que não se avalia as condições da assistência que levam à gestante a optar pelo procedimento cirúrgico. "Atacar a falta de isonomia e autonomia da mulher com a escolha da cesárea de forma deliberada não é o caminho, é uma solução ruim para o problema", opina. O Conselho Estadual de Saúde de São Paulo expediu a Recomendação nº 6, de 3 de outubro de 2019, que pede a revogação completa da lei para que o texto seja reeditado e siga as orientações do Ministério da Saúde e da OMS.
"Melhorar a assistência, reorganizar os serviços de forma que a gestante seja o foco, disponibilizar todos os recursos para alívio da dor na hora do parto, oferecer as informações necessárias à decisão da mulher e acolhê-la durante o trabalho de parto são ações fundamentais que certamente culminarão na escolha pelo parto normal, oferecendo mais benefícios para mães e bebês", conclui Hirakawa.
O projeto foi desenvolvido em três partes - diagnóstico, intervenção e monitoramento dos novos processos. De acordo com o docente da UFSCar, a situação encontrada no Hospital não divergia da realidade da assistência obstétrica brasileira, com uma postura mais intervencionista, trocas de profissionais a cada 6 ou 12 horas, condutas não padronizadas e assistência médico-centrada.
Quando as ações da UFSCar foram iniciadas, o Hospital de Piracicaba, que atende o Sistema Único de Saúde (SUS) e a saúde suplementar (convênios e particulares), contabilizava 70% dos nascimentos feitos por procedimento cirúrgico (cesárea) e a ocupação da UTI Neonatal era de 80%. O projeto da Universidade atuou em diversas frentes, e o ponto central foi o trabalho multiprofissional, principalmente na parceria entre médicos e serviço de enfermagem.
"A assistência precisa ser estruturada na relação médico-enfermeira-obstetriz permitindo uma atuação que une técnica e prática", defende o docente da UFSCar. Nesse sentido, foi proposta para a direção do Hospital uma reorganização do trabalho, com a incorporação de novos profissionais, como obstetrizes e doulas, e com a horizontalização do cuidado por meio de uma escala de horários que permitia que os mesmos profissionais estivessem todos os dias no Hospital, ao menos durante seis horas. Para o professor, a presença de uma mesma equipe de profissionais transmite mais segurança para a gestante e a continuidade dos procedimentos destinados ao atendimento às pacientes.
Nara Laine Caetano é enfermeira obstétrica em São Carlos e foi apoiadora do projeto em Piracicaba. Ela relata que atuou junto aos profissionais do Hospital para mudar o olhar sobre o processo do parto e da assistência à mulher, destacando a natureza fisiológica que, na maioria das vezes, necessita de suporte e não de intervenções. "Oferecer uma dieta diferenciada à mulher em trabalho de parto e a adequação na ambiência dos quartos, criando condições mais favoráveis para o parto, são mais eficientes que intervenções feitas rotineiramente sem a devida comprovação de seu benefício", destaca Caetano. Esses são exemplos de ações executadas, assim como a padronização nas condutas de cuidado à gestante, aperfeiçoamento do sistema de classificação de risco e implantação de sistema de identificação precoce de pacientes com potencial de piora. Outro ponto importante, citado por Hirakawa, foi a requalificação dos profissionais, com destaque no treinamento das equipes de enfermagem e dos médicos residentes que ficam na linha de frente do atendimento.
Dentre os principais resultados, o coordenador destaca o incremento no número de partos normais e a queda dos procedimentos cesarianos (de 70 para 40%) e também a diminuição da taxa de ocupação dos leitos da UTI Neonatal (de 80 para 45%). Outros resultados positivos foram a diminuição no número de episiotomias (incisão efetuada na região do períneo para ampliar o canal de parto) e o aumento no número de partos com acompanhantes.
O projeto desenvolvido em Piracicaba partiu do convite dos gestores do Hospital de Fornecedores de Cana do município ao professor Humberto Hirakawa após os resultados positivos de ação semelhante desenvolvida na Maternidade Dona Francisca Cintra Silva, em São Carlos, integrada à Santa Casa de Misericórdia da cidade. O docente da UFSCar era coordenador da unidade e, durante o ano de 2017, também realizou mudanças na organização do trabalho e na assistência às gestantes, resultando na queda do número de cesáreas de 60 para 35%.
Para Miki Mochizuki, Diretor Técnico do HFC, o trabalho desenvolvido pela UFSCar no Hospital quebrou o paradigma do serviço hospitalar no município. "Houve uma imediata inversão do número de partos cirúrgicos em relação aos partos vaginais. Tradicionalmente, a grande maioria dos partos era por via cirúrgica e isso foi invertido logo nas primeiras semanas de atuação. Os números mostrados e os resultados foram um ponto de inflexão para o modelo de trabalho dos médicos mais antigos da casa, que entenderam que é possível instituir mudanças naquilo em que são experientes e que essas mudanças podem colaborar para produzir uma melhor assistência à população", relata o médico valorizando também a queda de ocupação nos leitos da UTI Neonatal.
Com o encerramento do projeto da UFSCar, Mochizuki aponta que as ações implementadas terão continuidade. "Um projeto como esse necessita de supervisão e estudo a longo prazo para que seus efeitos sejam incorporados e passem a ser a rotina do serviço", conclui.
Parto normal e cesárea
Humberto Hirakawa e Nara Caetano destacam a importância de estimular o parto normal para as gestantes pelos inúmeros benefícios que ele oferece. Por ser um processo fisiológico do organismo, o parto normal tem recuperação mais rápida, com menor risco de hemorragias e outras complicações, facilita a amamentação e o cuidado da mãe com o bebê. Já o procedimento cirúrgico pode aumentar o risco de infecções, hemorragias, fenômenos tromboembólicos, lesões na bexiga, problemas da anestesia, além de dificuldades na amamentação, devido ao período pós-operatório, podendo dificultar o estabelecimento de vínculo mãe-filho. Além disso, a cesárea pode causar problemas secundários como sepse, necessidades de novas cirurgias, reinternações e dificuldades de novas gestações. Para o bebê, a cesárea aumenta a chance de problemas pulmonares e até alterações na colonização bacteriana do trato intestinal.
No entanto, o médico explica que a cesárea é um procedimento necessário e deve ser indicado em casos em que o feto está com sinais de falta de oxigênio, quando o trabalho de parto não tem evolução adequada ou as condições maternas não permitam o parto normal.
Nova legislação
O projeto de lei 435/2019 da deputada Janaina Paschoal (PSL), de São Paulo, foi aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo em agosto deste ano e garante à gestante a possibilidade de optar pela cesárea a partir da 39ª semana de gestação, assim como pela analgesia, mesmo quando for escolhido o parto normal.
Humberto Hirakawa aponta que o projeto de lei garante a autonomia da mulher, mas alerta que ele pode acabar estimulando o aumento dos procedimentos cirúrgicos nos partos. Atualmente, o estado de São Paulo realiza cerca de 60% de cesáreas entre SUS e saúde suplementar, quando o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é que esse número não ultrapasse os 20%.
De acordo com o professor, o número de cesáreas vem crescendo alavancado pelo SUS, já que nos convênios as taxas são historicamente elevadas. Enquanto isso, a taxa da mortalidade materna também tem crescido e alcança 50 casos a cada cem mil nascidos vivos, quando o ideal é que este número seja abaixo de 20. "Isso mostra que a cesárea não oferece mais chances de vida para a mulher. Os índices comprovam que o aumento de procedimentos cirúrgicos pode estar associado ao crescimento das taxas de mortalidade das mães", alerta Hirakawa.
Em relação à autonomia da mulher na escolha pela via de parto, o professor da UFSCar defende que deve ser respeitada, "mas é fundamental que essa autonomia seja exercida de forma verdadeira, baseada em informações legítimas que mostrem os reais benefícios e malefícios dos tipos de parto, com base naquilo que a mulher deseja e, principalmente, tendo como suporte uma assistência de qualidade". Para Nara Caetano, a assistência à gestante precisa ser qualificada, promover segurança e encorajamento à mulher sobre sua força e capacidade de conseguir realizar o parto normal. "Isso começa no pré-natal com as informações adequadas sobre via de parto, riscos, indicações reais de cada processo para que as mulheres cheguem à maternidade já informadas", destaca a enfermeira obstétrica.
Para Hirakawa a inadequação do projeto de lei proposto está no fato de que não se avalia as condições da assistência que levam à gestante a optar pelo procedimento cirúrgico. "Atacar a falta de isonomia e autonomia da mulher com a escolha da cesárea de forma deliberada não é o caminho, é uma solução ruim para o problema", opina. O Conselho Estadual de Saúde de São Paulo expediu a Recomendação nº 6, de 3 de outubro de 2019, que pede a revogação completa da lei para que o texto seja reeditado e siga as orientações do Ministério da Saúde e da OMS.
"Melhorar a assistência, reorganizar os serviços de forma que a gestante seja o foco, disponibilizar todos os recursos para alívio da dor na hora do parto, oferecer as informações necessárias à decisão da mulher e acolhê-la durante o trabalho de parto são ações fundamentais que certamente culminarão na escolha pelo parto normal, oferecendo mais benefícios para mães e bebês", conclui Hirakawa.
13/12/2019
13:00:00
04/01/2020
23:59:00
Gisele Bicaletto
Não
Não
Estudante, Docente/TA, Pesquisador, Visitante
Capacitação dos profissionais do HFC pela equipe do projeto da UFSCar (Foto: Nara Caetano)
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