Estudo desvenda formação de estruturas complexas como as dos Coronavírus
Araras, Sorocaba, Lagoa do Sino, São Carlos
Pesquisadores do Brasil, China e EUA colaboram na investigação que pode levar a aplicações em fármacos e vacinas, dentre outras
Geometrias análogas à forma de um ouriço - uma esfera coberta de espinhos - são bastante comuns na Natureza, em organismos que vão de algas e vírus (inclusive o SARS-CoV-2, causador da Covid-19) a plantas. No entanto, embora a biologia seja uma profícua geradora dessas estruturas complexas, processos de síntese nos laboratórios humanos enfrentam grandes obstáculos para reproduzi-las, devido à dificuldade de controlar o processo de montagem dessas estruturas maiores a partir de "blocos de construção" menos complexos.
Um artigo publicado hoje na Science (na seção "First Release", que disponibiliza online artigos selecionados antes da publicação da edição completa do periódico) dá passos importantes na direção não só de obtenção dessas partículas, mas também na compreensão das leis físicas que governam a sua montagem - em sistemas biológicos e artificiais - e no estabelecimento de métodos para medir sua complexidade. O trabalho é resultado da colaboração entre pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e China.
André Farias de Moura, docente do Departamento de Química (DQ) da UFSCar que coordenou a etapa de modelagem computacional da pesquisa, conta que a história do artigo começa há quase dois anos, quando pesquisadores sob a orientação de Nicholas A. Kotov, um dos autores do trabalho, professor da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, obtiveram nanoestruturas com características muito particulares. "Eles obtiveram nanoestruturas de sais de ouro e aminoácidos com alta complexidade e com forma e tamanho controlados. No entanto, o resultado esperado era a obtenção de aglomerados de baixa complexidade. Por isso, e pelo tipo de complexidade obtido ser semelhante àquele observado em vários organismos microscópicos, o resultado chamou nossa atenção", relata.
O grupo partiu então para testes com diferentes parâmetros de síntese experimental das mesmas nanoestruturas e, a partir da complementação do estudo com a modelagem computacional, verificou que geometrias complexas resultavam da disputa entre diferentes leis físicas atuando no processo de montagem, que compreendem interações eletrostáticas, elásticas e supramoleculares. No caso das interações eletrostáticas, por exemplo, a variável relevante eram as cargas elétricas de cada "bloco de construção". Se forças atrativas dominassem o processo, as partículas colapsavam umas com as outras; mas, se as cargas fossem repulsivas, estruturas mais interessantes começavam a emergir.
Os pesquisadores também verificaram que as estruturas mais complexas demandavam uma outra propriedade, relacionada à quiralidade, que tem vínculo com a forma das partículas.
O modo mais comum de descrever a quiralidade é por analogia com as nossas mãos: a esquerda é uma imagem especular da direita, sendo impossível a sobreposição exata das duas. Algumas partículas e moléculas apresentam quiralidade e, quando em ambiente também quiral - como são todos os sistemas biológicos -, suas versões "direita" e "esquerda" têm propriedades distintas.
No caso da pesquisa com as nanoestruturas de ouro, os "blocos de construção" usados foram fitas bidimensionais, folhas muito finas, com espessura de 1,2 nanômetro, mas compridas, com mais de um micrômetro de extensão, recobertas com aminoácidos quirais, conhecidos como cisteínas. A quiralidade se manifestou na forma da torção dessas fitas em um sentido bem definido - para a esquerda ou para a direita, conforme o aminoácido presente fosse preponderantemente L-cisteína ou D-cisteína.
No processo de construção, as fitas torcidas seguiram um caminho único e não aleatório de agregação, levando a micropartículas com forma, quiralidade e tamanho bem definidos, com características semelhantes aos tais "espinhos". "Ou seja, nas etapas iniciais, nós fomos capazes de codificar uma informação quiral, e esta informação teve impacto ao longo de todo o processo de construção", explica o pesquisador da UFSCar.
Os resultados da pesquisa têm uma primeira importância básica que é contribuírem para a compreensão de como a complexidade emergiu no processo de evolução da vida na Terra. No entanto, o conhecimento produzido também deve ter relevância crescente no desenvolvimento de materiais funcionais com interações sob medida com sistemas biológicos.
"Se o alvo são estruturas complexas dentro de um ser ainda mais complexo, como o ser humano, então precisamos ser capazes de construir estruturas com complexidade comparável e cuja função possa ser ajustada para inativar um patógeno sem nos causar danos", registra Moura. Dentre as pesquisas já em andamento nesta direção, estão estudos relacionados à inativação de vírus e à ampliação da resposta imune de um organismo contra um vírus específico.
A pesquisa, no Brasil, foi realizada no âmbito do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Além de Moura, também participaram os brasileiros Kalil Bernardino, seu ex-aluno, hoje realizando estágio de pós-doutorado no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP); Weverson R. Gomes, Asdrubal Lozada-Blanco e Felippe M. Colombari, doutores pelo Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ) da UFSCar, hoje realizando estágios de pós-doutorado na própria UFSCar - os dois primeiros - e no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM); e Sérgio Ricardo Muniz, docente do Instituto de Física de São Carlos da USP e pesquisador do Centro de Pesquisas de Ótica e Fotônica (Cepof), também um Cepid da Fapesp. O financiamento no País teve recursos também do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
O artigo intitulado "Emergence of Complexity in Hierarchically Organized Chiral Particles" está disponível no site da Science.
Um artigo publicado hoje na Science (na seção "First Release", que disponibiliza online artigos selecionados antes da publicação da edição completa do periódico) dá passos importantes na direção não só de obtenção dessas partículas, mas também na compreensão das leis físicas que governam a sua montagem - em sistemas biológicos e artificiais - e no estabelecimento de métodos para medir sua complexidade. O trabalho é resultado da colaboração entre pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e China.
André Farias de Moura, docente do Departamento de Química (DQ) da UFSCar que coordenou a etapa de modelagem computacional da pesquisa, conta que a história do artigo começa há quase dois anos, quando pesquisadores sob a orientação de Nicholas A. Kotov, um dos autores do trabalho, professor da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, obtiveram nanoestruturas com características muito particulares. "Eles obtiveram nanoestruturas de sais de ouro e aminoácidos com alta complexidade e com forma e tamanho controlados. No entanto, o resultado esperado era a obtenção de aglomerados de baixa complexidade. Por isso, e pelo tipo de complexidade obtido ser semelhante àquele observado em vários organismos microscópicos, o resultado chamou nossa atenção", relata.
O grupo partiu então para testes com diferentes parâmetros de síntese experimental das mesmas nanoestruturas e, a partir da complementação do estudo com a modelagem computacional, verificou que geometrias complexas resultavam da disputa entre diferentes leis físicas atuando no processo de montagem, que compreendem interações eletrostáticas, elásticas e supramoleculares. No caso das interações eletrostáticas, por exemplo, a variável relevante eram as cargas elétricas de cada "bloco de construção". Se forças atrativas dominassem o processo, as partículas colapsavam umas com as outras; mas, se as cargas fossem repulsivas, estruturas mais interessantes começavam a emergir.
Os pesquisadores também verificaram que as estruturas mais complexas demandavam uma outra propriedade, relacionada à quiralidade, que tem vínculo com a forma das partículas.
O modo mais comum de descrever a quiralidade é por analogia com as nossas mãos: a esquerda é uma imagem especular da direita, sendo impossível a sobreposição exata das duas. Algumas partículas e moléculas apresentam quiralidade e, quando em ambiente também quiral - como são todos os sistemas biológicos -, suas versões "direita" e "esquerda" têm propriedades distintas.
No caso da pesquisa com as nanoestruturas de ouro, os "blocos de construção" usados foram fitas bidimensionais, folhas muito finas, com espessura de 1,2 nanômetro, mas compridas, com mais de um micrômetro de extensão, recobertas com aminoácidos quirais, conhecidos como cisteínas. A quiralidade se manifestou na forma da torção dessas fitas em um sentido bem definido - para a esquerda ou para a direita, conforme o aminoácido presente fosse preponderantemente L-cisteína ou D-cisteína.
No processo de construção, as fitas torcidas seguiram um caminho único e não aleatório de agregação, levando a micropartículas com forma, quiralidade e tamanho bem definidos, com características semelhantes aos tais "espinhos". "Ou seja, nas etapas iniciais, nós fomos capazes de codificar uma informação quiral, e esta informação teve impacto ao longo de todo o processo de construção", explica o pesquisador da UFSCar.
Os resultados da pesquisa têm uma primeira importância básica que é contribuírem para a compreensão de como a complexidade emergiu no processo de evolução da vida na Terra. No entanto, o conhecimento produzido também deve ter relevância crescente no desenvolvimento de materiais funcionais com interações sob medida com sistemas biológicos.
"Se o alvo são estruturas complexas dentro de um ser ainda mais complexo, como o ser humano, então precisamos ser capazes de construir estruturas com complexidade comparável e cuja função possa ser ajustada para inativar um patógeno sem nos causar danos", registra Moura. Dentre as pesquisas já em andamento nesta direção, estão estudos relacionados à inativação de vírus e à ampliação da resposta imune de um organismo contra um vírus específico.
A pesquisa, no Brasil, foi realizada no âmbito do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Além de Moura, também participaram os brasileiros Kalil Bernardino, seu ex-aluno, hoje realizando estágio de pós-doutorado no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP); Weverson R. Gomes, Asdrubal Lozada-Blanco e Felippe M. Colombari, doutores pelo Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ) da UFSCar, hoje realizando estágios de pós-doutorado na própria UFSCar - os dois primeiros - e no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM); e Sérgio Ricardo Muniz, docente do Instituto de Física de São Carlos da USP e pesquisador do Centro de Pesquisas de Ótica e Fotônica (Cepof), também um Cepid da Fapesp. O financiamento no País teve recursos também do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
O artigo intitulado "Emergence of Complexity in Hierarchically Organized Chiral Particles" está disponível no site da Science.
09/04/2020
15:00:00
25/04/2020
23:59:00
Mariana Pezzo
Sim
Não
Estudante, Docente/TA, Pesquisador, Visitante
Imagem de microscopia eletrônica da partícula sintetizada pelos pesquisadores (Crédito: Divulgação)
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