Pesquisa analisa estereótipos de gênero na política latino-americana

Araras, Sorocaba, Lagoa do Sino, São Carlos
Estudo foi premiado pela Asociación Latinoamericana de Investigadores en Campañas Electorales

Em sociedades regidas por matrizes culturais atravessadas por relações assimétricas de gênero, é um desafio para as mulheres se destacarem em um universo predominantemente masculino como é a política. Este foi o pano de fundo da pesquisa intitulada "Género y Campañas Electorales en América Latina: un análisis del discurso femenino en la propaganda televisiva", desenvolvida por Sylvia Iasulaitis, docente do Departamento de Ciências Sociais (DCSo) da UFSCar, em parceria com as professoras e pesquisadoras Luciana Panke, do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Carmen Pineda Nebot, da Universidad Complutense de Madrid (Espanha).

O estudo analisou como estereótipos de gênero impactam as estratégias discursivas e comunicacionais de mulheres candidatas, a partir de uma análise empírica das campanhas vitoriosas das então presidentas latino-americanas - Michele Bachelet, no Chile, em 2013; Dilma Rousseff, no Brasil, em 2010; e Cristina Kirchner, na Argentina, em 2011. Foram observados, especificamente, spots eleitorais das campanhas veiculados na televisão, a fim de descobrir como se posicionam, como gênero feminino, as presidentas latino-americanas.

De acordo com Iasulaitis, a pesquisa investigou se a posição das candidatas nas campanhas eleitorais neutralizou ou reforçou os estereótipos de gênero. "Procuramos compreender, na literatura sobre o assunto e a partir de uma investigação empírica internacional, as questões levantadas nas leituras de gênero, em sua inter-relação com os pleitos eleitorais. Para a análise empírica, adotamos o método de análise de conteúdo para medir a presença do tema 'mulher' nas propagandas, verificando, posteriormente, o posicionamento adotado nas demais vertentes da campanha televisiva, partindo da presença de três códigos principais: icônico, linguístico e sonoro", detalha a pesquisadora.

O estudo mostrou que a abordagem das questões de gênero nas campanhas das então candidatas se concentrou em temáticas relacionadas à maternidade e à geração de empregos. Outro ponto de destaque nos spots foi o fato de que mulheres candidatas a cargos eletivos foram apresentadas com estereótipos que os homens adotam em cargos de liderança política, com o apontamento de características tradicionalmente consideradas como masculinas, como determinação, seriedade, inteligência, competência e capacidade de liderança. No entanto, elas também são mais associadas a questões domésticas e familiares. "Culturalmente, para os homens destina-se o espaço público e, para as mulheres, o espaço privado. E esses estereótipos de gênero impactam as estratégias discursivas e de comunicação das mulheres candidatas", afirma Iasulaitis.

Além disso, a análise dos spots com base nos códigos icônicos, linguísticos e sonoros mostrou que, em alguns momentos, as próprias candidatas reproduziam estereótipos de gênero em suas campanhas, retratando as mulheres em um espaço doméstico de referência, com destaque ao cuidado, à compaixão e à maternidade. No caso de Rousseff, os spots mostraram traços de personalidade entendidos como "típicos" do gênero feminino, com características voltadas ao emocional, à sensibilidade, à compreensão e à gentileza. Já a campanha de Kirchner exacerbou a presença da imagem do falecido marido da candidata, o ex-presidente Néstor Kirchner, estratégia de comunicação com forte apelo emocional, tendo "força" como palavra-chave. "Há uma dupla conotação: alusão à força de uma mulher política e gestora e, ao mesmo tempo, alusão à força que se deseja a uma viúva no sentido de superar a perda do marido", analisa a docente.

Por fim, a campanha que mais demonstrou igualdade de gênero foi a de Bachelet, com o retrato de mulheres nas mais diversas funções de trabalho - a maternidade foi incluída como escolha e o trabalho doméstico como tarefa de todas as pessoas. "Bachelet tem sólida formação e atuação em políticas de igualdade de gênero, o que certamente favoreceu a abordagem voltada às propostas de inclusão social", enfatiza a professora da UFSCar.

Segundo Iasulaitis, dentre as campanhas estudadas, a que mais reforçou os estereótipos de gênero foi a de Rousseff. "Uma possível explicação para esse fato pode ser a normalização da presença de mulheres em altos cargos de liderança política, já que as outras duas candidatas, Kirchner e Bachelet, já ocupavam o cargo em seus países e, portanto, já haviam superado o importante obstáculo de transformação da figura feminina socialmente reconhecida na qualidade de presidente. No Brasil, Rousseff teve de enfrentar mais dificuldades em relação aos estereótipos de gênero, e deduzimos que foi por este motivo que a candidata brasileira colocou mais ênfase na questão da competência, buscando neutralizar a construção cultural dos lugares que devem ser ocupados por homens e mulheres no espaço público", reflete a pesquisadora. Por fim, com a vitória das três presidentas lationo-americanas à época, é possível demonstrar que, embora dificultem, os estereótipos de gênero não impedem a eleição de mulheres.

O estudo recebeu o prêmio de investigação relevante na primeira edição de distinções acadêmicas da Asociación Latinoamericana de Investigadores en Campañas Electorales (Alice), realizada em 2020. Dados detalhados sobre a pesquisa estão disponíveis aqui.
24/11/2020
13:00:00
18/12/2020
23:59:00
Adriana Arruda
Não
Não
Estudante, Docente/TA, Visitante, Pesquisador
Estudo foi premiado por associação latino-americana (Imagem: Reprodução)
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