Combate às fake news é tema de destaque em congressos da UFSCar

São Carlos
Pesquisadoras abordaram as características e os danos causados por discursos mentirosos e formas de desmascará-los
Nesta semana, de 1º a 4 de março, estão sendo realizados, de forma online, o 27º Congresso de Iniciação Científica (CIC) e o 12º Congresso de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (CIDTI) da UFSCar, uma oportunidade para estudantes e orientadores apresentarem e discutirem os projetos desenvolvidos na Universidade nos anos de 2019 e 2020.

Duas palestras na programação abordaram o combate às fake news e aos discursos falsos. Na terça-feira, 2 de março, Diana Luz Pessoa de Barros, Professora Titular do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), atuante também no Centro de Comunicações e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, abordou o tema "Diferentes tipos de discursos mentirosos e os danos que causam à sociedade".

A docente explicou que existem diferentes discursos considerados mentirosos, destacando três: as fake news, que são as notícias falsas, criadas com o objetivo de gerar e reforçar percepções equivocadas da realidade; as falsas revisões do passado e da história; e a simulação de sincretismo actorial. "As falsas revisões do passado e da história são aqueles textos que dizem, por exemplo, que o nazismo é um fenômeno de esquerda, ou aqueles que focam num caráter brando da ditadura militar no Brasil. Para desmascará-los, basta compará-los com demais textos, como considerações amplamente consensuais de historiadores brasileiros e estrangeiros, que foram comprovadas em ser historicamente corretas. Há um debate científico e histórico sobre a questão que consegue desmascarar esse tipo de discurso", analisou.

Já a simulação de sincretismo actorial é quando uma pessoa finge ocupar vários papéis narrativos, utilizando essa mentira como estratégia para se isentar de responsabilidade de cada uma das posições que finge ocupar. Um exemplo apontado por Barros diz respeito ao atual governante e seus discursos no Brasil. "Nesse caso, um mesmo ator finge preencher todos os papéis da narrativa que produz. Nasce, portanto, a possibilidade e a facilidade de desdizer-se e voltar atrás, já que o mesmo ator se manifesta de posições narrativas diferentes e opostas. O caso da compra das vacinas é um exemplo: um dia o governo anuncia a compra; no outro, não mais; no dia seguinte, compra novamente. Com isso, é possível afagar apoiadores e, ao mesmo tempo, garantir a imagem de ter investido na vacina. A estratégia é faltar espaço para uma verdadeira oposição, já que todos os lugares da narrativa já estão ocupados por um só ator", exemplificou.

Segundo a pesquisadora, a principal característica de todos esses discursos é o fato de quem recebe a mensagem interpretá-los a partir de seus conhecimentos, crenças e emoções, dando a capacidade de persuasão a quem envia a mensagem. "Quando a interpretação se baseia apenas em crenças e emoções do destinatário interpretante, os discursos mentirosos são entendidos como verdadeiros, por mais absurdos que pareçam. É a tendência de as pessoas acreditarem nas informações que apoiam suas visões e valores, e desconsiderarem as que dizem o contrário", explicou.

Para a construção e a aceitação de discursos mentirosos, dois são os objetivos do destinador do texto: conquistar a confiança do destinatário e promover o ajustamento emocional e sensorial entre destinador e destinatário, por meio de várias estratégias. Uma delas é o escalonamento da verdade à falsidade. "O destinador divulga, de início, notícias comprovadamente verdadeiras, promovendo aproximação emocional e sensorial e criando credibilidade. Depois, ele expõe notícias mentirosas com estratégias que as façam parecer verdadeiras para, em seguida, publicar notícias claramente falsas. Mas, como o destinatário já está inserido nesse quadro de crenças e valores e envolvido pelas emoções e sensações desse tipo de discurso, as interpreta como verdadeiras", detalhou Barros. Outra estratégia diz respeito à ancoragem do ator, de tempo e espaço. "É o caso de notícias ancoradas em artistas, cientistas e demais figuras públicas - ou seja, em pessoas, atores, lugares e datas que os destinatários reconhecem como existentes, produzindo efeitos de realidade", sintetizou.

Segundo Barros, a partir do exame dessas estratégias, é possível desvendar a organização dos discursos mentirosos. Para isso, destacou a pesquisadora, é essencial realizar comparações entre textos, fotos ou vídeos com outros discursos, provenientes de fontes confiáveis. A checagem de datas e o cuidado com a análise da contextualização dos materiais (por exemplo, fotos utilizadas sem contexto, sugerindo montagens) também são essenciais para esse desmascaramento.

A pesquisadora enfatizou, também, o papel da escola em ensinar os estudantes a detectar esses tipos de discursos. Outro ponto de destaque na palestra foi a importância de alertar à sociedade sobre os danos que os discursos mentirosos causam. Dentre outros pontos, destacou como são a causa e o incremento do ódio e da discriminação, pelo fato de se caracterizarem como discursos de desqualificação de sujeitos ou grupos sociais. "Eles são responsáveis pelo aumento da intolerância, do preconceito e da violência, como xenofobia, racismo e ataques aos professores, às universidades e à Ciência. As reflexões feitas neste encontro são uma maneira de acreditar que esses discursos, quando desmontados e desmascarados, possam perder a força, não causando ainda mais danos ao País e nem substituindo o debate sério", finalizou.

A palestra completa pode ser acessada aqui.

Fake news na política
Em complementaridade ao assunto, em palestra no dia 3 de março, Nara Pavão, docente do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), promoveu reflexões sobre "Jornalismo profissional e o combate às fake news na política brasileira". Em seus estudos, a pesquisadora detectou que, embora a verificação de fatos - que consiste na correção da notícia falsa por meio de checagens profissionais - reduza a desinformação em democracias desenvolvidas, no caso do Brasil essa verificação tem efeito limitado. "Aqui, apresentar a correção da notícia falsa não tem efeito, e possivelmente um dos motivos é o fato de que as preferências políticas dos eleitores influenciam na crença nas fake news nessa temática. Ou seja, o partidarismo é um determinante da aceitação da fake news no Brasil", defendeu.

Por outro lado, Pavão detectou que campanhas de conscientização por parte de veículos de jornalismo profissional podem ser eficazes. Em 2020, durante as eleições municipais, a pesquisadora realizou um experimento de campo online, com mil respondentes na cidade de São Paulo. O estudo, realizado em parceria com o jornal Folha de S. Paulo, expôs os participantes a notícias classificadas como falsas por agências de checagem e indagou sobre acreditarem ou não em cada uma delas. "Após essa primeira etapa, esses participantes foram aleatoriamente selecionados para integrar o grupo de tratamento ou o grupo de controle. Nas semanas seguintes, os integrantes do grupo de tratamento receberam um e-mail com informações sobre como identificar notícias falsas e uma mensagem que os alertava a checar o conteúdo das notícias antes de compartilhá-las. Também receberam uma assinatura gratuita do jornal por três meses. Já os integrantes do grupo de controle não foram expostos a nenhuma intervenção", detalhou.

Após essas ações, na segunda etapa do estudo, os participantes foram contactados e novamente expostos a notícias rotuladas como falsas por agências de checagem profissional. "Ao comparar as taxas de crença na primeira e segunda rodadas do estudo, entre os grupos de tratamento e controle, constatamos que os participantes que foram expostos à intervenção experimental de conscientização apresentaram uma taxa mais reduzida de crença em fake news", contou Pavão.

Nesse sentido, o estudo sugere que as campanhas de conscientização por veículos de comunicação podem ser promissoras no combate às fake news no Brasil. "Ainda assim, é complexo dizermos quais são as ferramentas mais eficientes para não cair em notícias falsas, pois essa crença não é apenas um problema informacional, mas sim político, e também está relacionada com o partidarismo. Talvez uma ação seja facilitar o acesso à informação de qualidade à população, mas precisamos de mais estudos para entender esses possíveis caminhos", refletiu a convidada.

A palestra está disponível neste link.

Programação
Também como parte das atividades do CIC e do CIDTI, foram enviados vídeos de apresentações sobre os trabalhos desenvolvidos. Todas as 606 apresentações submetidas estão disponíveis para visualização neste endereço. O encerramento dos eventos ocorre ainda hoje, 4 de março, a partir das 19 horas.

Todas as informações podem ser conferidas no site da Coordenadoria dos Programas de Iniciação Científica e Tecnológica (CoPICT) da Pró-Reitoria de Pesquisa (ProPq) da UFSCar, onde também constam os links de transmissão dos eventos (e gravação no caso daqueles já encerrados).
04/03/2021
11:45:00
09/03/2021
23:59:00
Adriana Arruda
Sim
Não
Estudante
Pesquisadoras abordaram características e danos de discursos mentirosos (Imagem: Reprodução YouTube)
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