Violência de gênero tem desafios na identificação, denúncia e prevenção
São Carlos
Laprev produz conhecimento, forma pessoas e realiza intervenções, com fortalecimento de redes de apoio e proteção
Dia Internacional da Mulher. A data, celebrada anualmente em 8 de março, marca as conquistas das mulheres em todo o mundo ao longo dos séculos, mas destaca sobretudo as lutas necessárias e, dentre elas, o longo caminho ainda a ser percorrido no combate à violência de gênero, especialmente a doméstica, e para o alcance da igualdade de direitos.
Sabrina Mazo D'Affonseca, coordenadora do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (Laprev) e docente do Departamento de Psicologia (DPsi) da UFSCar, define a violência de gênero como aquela caracterizada por qualquer tipo de agressão - física, psicológica, sexual ou simbólica - a pessoa que esteja em situação de vulnerabilidade em decorrência da sua identidade de gênero ou orientação sexual. "As vítimas mais frequentes desse tipo de violência são as mulheres, sendo os agressores, em sua maioria, homens, comumente os próprios parceiros íntimos", detecta.
Há diversas situações que dificultam o combate à violência de gênero, algumas destacadas por D'Affonseca. Uma delas diz respeito à dificuldade de identificação da violência por parte da própria vítima, especialmente a que não é física. Outra se refere aos estereótipos criados em torno de mulheres vítimas - por exemplo, de terem necessariamente baixa escolaridade e estarem em situação maior de vulnerabilidade econômica, o que desencoraja mulheres fora desse perfil a se perceberem neste lugar de vítima de violência.
Também existem, com frequência, o medo e a vergonha de buscar ajuda, seja por ter de abrir para alguém um espaço privado do seu relacionamento, seja por receber ameaças do agressor em caso de denúncia, tanto à mulher como a seus filhos ou família. "Muitas vezes o agressor tem status ou credibilidade em determinado ambiente, e as pessoas ao redor passam a duvidar dos relatos de violência da mulher. Ou seja, ao mesmo tempo em que ele ganha força, ela se sente mais isolada", analisa a pesquisadora.
Uma possível falta de preparo dos profissionais que recebem as denúncias, bem como as frustrações de mulheres que já fizeram tentativas de procurar ajuda, mas não tiveram atendimento adequado, também são fatores que as desencorajam.
Além disso, outro ponto dificultador é a cultura na qual o Brasil está inserido, em que ainda prevalece o machismo. "A ideia de que o homem precisa ser forte (tanto física como psicologicamente) e provar a sua masculinidade ainda é muito disseminada em nosso ambiente social. Com isso, fomenta-se a ideia de que ele é um ser superior à mulher, sustentando a desigualdade de gênero que permeia diversos âmbitos, desde condições de trabalho e salário, até nos cuidados relacionados aos filhos e à família. Em nossa cultura, também é comum aprendermos que é dever da mulher manter a relação - se algo não vai bem, ela vai se responsabilizando e se culpabilizando, fatores que dificultam a busca de apoio para sair de relacionamentos e situações de violência", exemplifica D'Affonseca.
"Se o homem se considera superior à mulher, ele justifica o seu comportamento agressor. Por outro lado, se não houver essa superioridade de um dos gêneros, há menos chances de existir a agressão. Para que isso ocorra, é preciso um árduo trabalho, desde a mais tenra infância, com a discussão de respeito mútuo entre os gêneros, revisão de comportamentos e de formas de ser. Também depende bastante da cultura familiar, mas o fato de conseguirmos detectar esses caminhos já é um grande passo na luta por igualdade de gênero".
Uma forma essencial no enfrentamento da violência é estabelecer e fortalecer redes de apoio e proteção, uma das principais frentes de atuação do Laprev. "Não existe um serviço único que dará conta da complexidade que permeia uma situação de violência. É preciso formar e capacitar essas redes, que consistem em iniciativas sociais, em que a própria sociedade e vários profissionais - da Saúde, da Assistência Social, da Psicologia, da Educação, do Judiciário - estejam dispostos a enfrentar essa situação em conjunto com a vítima", situa a docente.
Além disso, campanhas de conscientização são essenciais não apenas com foco nas vítimas, mas incluindo pessoas próximas a ela, bem como profissionais atuantes nas redes de apoio e os homens. "A partir do momento em que conscientizamos a população, conseguimos instrumentalizar pessoas - tanto da comunidade, de modo geral, quanto profissionais que trabalham diretamente com esses casos - para fornecerem apoio e acolhimento às vítimas. Detectamos que as primeiras pessoas a serem contatadas por essas mulheres comumente são as de confiança, ou seja, uma amiga ou pessoa da família. Se essas pessoas tiverem a consciência do que é um abuso e da gravidade do tema, encorajarão as vítimas a chegarem aos serviços dos centros de referência especializados, nos quais profissionais têm o papel de auxiliar na identificação dos riscos e no atendimento", alerta.
Laprev
O Laprev iniciou suas atividades em 1998, sob coordenação de Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams, docente do DPsi. Parte de suas atividades estão associadas ao "Programa de Intervenção a Vítimas de Violência Doméstica", em andamento desde 1998, por meio de estágios supervisionados de estudantes de graduação em Psicologia da UFSCar, que começou na Delegacia de Defesa da Mulher de São Carlos. Em 2000, esse estágio se expandiu e o Laprev passou a desenvolver atividades de atendimento a crianças e famílias no Conselho Tutelar de São Carlos. Em 2001, as atividades levaram ao surgimento de um projeto de lei que resultou na criação da Casa Abrigo "Gravelina Terezinha Mendes". A iniciativa oferece condições a mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade, para residirem temporariamente no espaço e receberem atendimento e acolhimento, que envolvem assistências médica, odontológica, psicológica e jurídica.
"Esse trabalho foi iniciado pela UFSCar para além dos muros da Universidade e proporcionou a São Carlos ser a primeira cidade de interior a ter uma Casa Abrigo, o que é um enorme orgulho para o Laprev. A partir desse momento, as atividades de intervenção do Laboratório se estenderam e ele passou a atuar nessa perspectiva de atendimento às crianças e às mulheres vítimas, com o fortalecimento das redes", contextualiza D'Affonseca.
O Laprev também presta serviços psicológicos à comunidade interna da UFSCar e realiza estudos e pesquisas, com base nos quais promove a capacitação de profissionais que lidam com esse tipo de violência por meio de cursos e outras atividades de extensão.
O Laboratório oferece, dentre outras ações, o curso de especialização "Atendimento psicossocial a vítimas de violência", com inscrições abertas para a turma deste ano. Além disso, o Laprev realiza campanhas, debates e intervenções relacionados à violência de gênero na Universidade, atualmente com ações de enfrentamento mais focadas às estudantes do Campus São Carlos, por meio de conversas e compartilhamento de experiências.
Particularmente neste momento de pandemia, o Laboratório enfrenta desafios inéditos, mas que impulsionam a busca pelo conhecimento e por soluções. "Alguns serviços de atendimento às mulheres restringiram horários e outros tiveram de ser interrompidos devido ao isolamento social. Estamos no processo de estudo e pesquisa, concomitante aos acontecimentos, para produzir novos conhecimentos e para criar estratégias de enfrentamento diante do cenário que se apresenta", conta D'Affonseca.
Mais informações sobre o trabalho do Laprev podem ser encontradas em laprev.ufscar.br.
Sabrina Mazo D'Affonseca, coordenadora do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (Laprev) e docente do Departamento de Psicologia (DPsi) da UFSCar, define a violência de gênero como aquela caracterizada por qualquer tipo de agressão - física, psicológica, sexual ou simbólica - a pessoa que esteja em situação de vulnerabilidade em decorrência da sua identidade de gênero ou orientação sexual. "As vítimas mais frequentes desse tipo de violência são as mulheres, sendo os agressores, em sua maioria, homens, comumente os próprios parceiros íntimos", detecta.
Há diversas situações que dificultam o combate à violência de gênero, algumas destacadas por D'Affonseca. Uma delas diz respeito à dificuldade de identificação da violência por parte da própria vítima, especialmente a que não é física. Outra se refere aos estereótipos criados em torno de mulheres vítimas - por exemplo, de terem necessariamente baixa escolaridade e estarem em situação maior de vulnerabilidade econômica, o que desencoraja mulheres fora desse perfil a se perceberem neste lugar de vítima de violência.
Também existem, com frequência, o medo e a vergonha de buscar ajuda, seja por ter de abrir para alguém um espaço privado do seu relacionamento, seja por receber ameaças do agressor em caso de denúncia, tanto à mulher como a seus filhos ou família. "Muitas vezes o agressor tem status ou credibilidade em determinado ambiente, e as pessoas ao redor passam a duvidar dos relatos de violência da mulher. Ou seja, ao mesmo tempo em que ele ganha força, ela se sente mais isolada", analisa a pesquisadora.
Uma possível falta de preparo dos profissionais que recebem as denúncias, bem como as frustrações de mulheres que já fizeram tentativas de procurar ajuda, mas não tiveram atendimento adequado, também são fatores que as desencorajam.
Além disso, outro ponto dificultador é a cultura na qual o Brasil está inserido, em que ainda prevalece o machismo. "A ideia de que o homem precisa ser forte (tanto física como psicologicamente) e provar a sua masculinidade ainda é muito disseminada em nosso ambiente social. Com isso, fomenta-se a ideia de que ele é um ser superior à mulher, sustentando a desigualdade de gênero que permeia diversos âmbitos, desde condições de trabalho e salário, até nos cuidados relacionados aos filhos e à família. Em nossa cultura, também é comum aprendermos que é dever da mulher manter a relação - se algo não vai bem, ela vai se responsabilizando e se culpabilizando, fatores que dificultam a busca de apoio para sair de relacionamentos e situações de violência", exemplifica D'Affonseca.
"Se o homem se considera superior à mulher, ele justifica o seu comportamento agressor. Por outro lado, se não houver essa superioridade de um dos gêneros, há menos chances de existir a agressão. Para que isso ocorra, é preciso um árduo trabalho, desde a mais tenra infância, com a discussão de respeito mútuo entre os gêneros, revisão de comportamentos e de formas de ser. Também depende bastante da cultura familiar, mas o fato de conseguirmos detectar esses caminhos já é um grande passo na luta por igualdade de gênero".
Uma forma essencial no enfrentamento da violência é estabelecer e fortalecer redes de apoio e proteção, uma das principais frentes de atuação do Laprev. "Não existe um serviço único que dará conta da complexidade que permeia uma situação de violência. É preciso formar e capacitar essas redes, que consistem em iniciativas sociais, em que a própria sociedade e vários profissionais - da Saúde, da Assistência Social, da Psicologia, da Educação, do Judiciário - estejam dispostos a enfrentar essa situação em conjunto com a vítima", situa a docente.
Além disso, campanhas de conscientização são essenciais não apenas com foco nas vítimas, mas incluindo pessoas próximas a ela, bem como profissionais atuantes nas redes de apoio e os homens. "A partir do momento em que conscientizamos a população, conseguimos instrumentalizar pessoas - tanto da comunidade, de modo geral, quanto profissionais que trabalham diretamente com esses casos - para fornecerem apoio e acolhimento às vítimas. Detectamos que as primeiras pessoas a serem contatadas por essas mulheres comumente são as de confiança, ou seja, uma amiga ou pessoa da família. Se essas pessoas tiverem a consciência do que é um abuso e da gravidade do tema, encorajarão as vítimas a chegarem aos serviços dos centros de referência especializados, nos quais profissionais têm o papel de auxiliar na identificação dos riscos e no atendimento", alerta.
Laprev
O Laprev iniciou suas atividades em 1998, sob coordenação de Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams, docente do DPsi. Parte de suas atividades estão associadas ao "Programa de Intervenção a Vítimas de Violência Doméstica", em andamento desde 1998, por meio de estágios supervisionados de estudantes de graduação em Psicologia da UFSCar, que começou na Delegacia de Defesa da Mulher de São Carlos. Em 2000, esse estágio se expandiu e o Laprev passou a desenvolver atividades de atendimento a crianças e famílias no Conselho Tutelar de São Carlos. Em 2001, as atividades levaram ao surgimento de um projeto de lei que resultou na criação da Casa Abrigo "Gravelina Terezinha Mendes". A iniciativa oferece condições a mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade, para residirem temporariamente no espaço e receberem atendimento e acolhimento, que envolvem assistências médica, odontológica, psicológica e jurídica.
"Esse trabalho foi iniciado pela UFSCar para além dos muros da Universidade e proporcionou a São Carlos ser a primeira cidade de interior a ter uma Casa Abrigo, o que é um enorme orgulho para o Laprev. A partir desse momento, as atividades de intervenção do Laboratório se estenderam e ele passou a atuar nessa perspectiva de atendimento às crianças e às mulheres vítimas, com o fortalecimento das redes", contextualiza D'Affonseca.
O Laprev também presta serviços psicológicos à comunidade interna da UFSCar e realiza estudos e pesquisas, com base nos quais promove a capacitação de profissionais que lidam com esse tipo de violência por meio de cursos e outras atividades de extensão.
O Laboratório oferece, dentre outras ações, o curso de especialização "Atendimento psicossocial a vítimas de violência", com inscrições abertas para a turma deste ano. Além disso, o Laprev realiza campanhas, debates e intervenções relacionados à violência de gênero na Universidade, atualmente com ações de enfrentamento mais focadas às estudantes do Campus São Carlos, por meio de conversas e compartilhamento de experiências.
Particularmente neste momento de pandemia, o Laboratório enfrenta desafios inéditos, mas que impulsionam a busca pelo conhecimento e por soluções. "Alguns serviços de atendimento às mulheres restringiram horários e outros tiveram de ser interrompidos devido ao isolamento social. Estamos no processo de estudo e pesquisa, concomitante aos acontecimentos, para produzir novos conhecimentos e para criar estratégias de enfrentamento diante do cenário que se apresenta", conta D'Affonseca.
Mais informações sobre o trabalho do Laprev podem ser encontradas em laprev.ufscar.br.
08/03/2021
1:00:00
08/04/2021
23:59:00
Adriana Arruda
Sim
Não
Estudante
Laprev produz conhecimento e realiza intervenções no âmbito da violência (Imagem: Reprodução)
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