Crise hídrica e energética é resultado de falta de planejamento
São Carlos
Temática foi pauta na quarta edição de Ciência UFSCar, que evidenciou os múltiplos aspectos envolvidos
Na última segunda-feira, dia 5 de julho, ocorreu a quarta edição da série de encontros Ciência UFSCar, com o tema "Crise hídrica e matriz energética - Brasil em 2001, 2014, 2021, 2022...".
O debate teve a participação de Frederico Yuri Hanai, docente do Departamento de Ciências Ambientais (DCAm) da UFSCar e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCAm) da Universidade; Frederico Fábio Mauad, docente do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), vinculado ao Centro de Recursos Hídricos e Ecologia Aplicada (CRHEA); e Homel Pedroso Marques, mestrando no PPGCAm, que atua no momento como especialista em políticas públicas de meio ambiente no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Na ocasião, os pesquisadores caracterizaram a atual crise hídrica vivida no Brasil, em que os reservatórios de água para produção de energia elétrica encontram-se, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), nos menores níveis dos últimos 91 anos. Com estados que abrigam os principais desses reservatórios em alerta de emergência hídrica e a chegada da estação mais seca na maior parte do País, a partir deste mês a tarifa de energia tem reajuste de 52%, e não está afastado o risco de racionamento ou, até mesmo, interrupção no fornecimento de energia.
Este cenário, no entanto, não se compôs recentemente. Mauad realizou uma breve retrospectiva sobre a crise hídrica - e, em consequência, energética - no Brasil a partir da década de 1950, relacionada ao processo de industrialização do País. O pesquisador abordou iniciativas voltadas à diversificação da matriz energética, com ênfase em energias eólica, solar e biomassa, mas destacou a permanência do uso das termoelétricas. "A térmica deveria ser a última opção, vai na contramão do mundo, pelos impactos ambientais", ressaltou.
Hanai sintetizou que a crise diz respeito a duas características: quantidade e qualidade da água. "Há escassez em populações nas quais a quantidade de água é inferior à demanda das pessoas. Junto a isso, há pouca qualidade da água, e o ciclo se retroalimenta. Instaura-se, portanto, a crise hídrica", explicitou.
Ao mencionarem possíveis causas da crise, os convidados do Ciência UFSCar foram enfáticos ao concordarem sobre a falta de gestão e de planejamento hídricos. Segundo Hanai, o conceito de escassez ajuda a entender a crise hídrica e a explicar as questões relacionadas justamente à falta de planejamento e de gestão.
A escassez pode estar em várias categorias, sendo a mais comumente abordada a escassez física, relacionada geograficamente a determinado local, que pode não ter disponibilidade suficiente de água. "Mas não só isso: há a escassez econômica e estrutural, que se relaciona ao fato de não haver condições para viabilizar acesso à água a determinadas populações; a escassez provocada, que envolve, por exemplo, a contaminação, o que automaticamente diminui sua qualidade e disponibilidade; e a escassez conjuntural, que, em função de condições naturais ou sociais, causa a indisponibilidade de água", pontuou Hanai. E o Brasil segue sem um planejamento adequado para sanar ou reduzir essas diferentes categorias de escassez, registrou.
Mauad complementou, com um exemplo atual de contrassenso: o cancelamento do horário de verão, ao mesmo tempo em que há a proposta de alterar o horário de funcionamento das indústrias, justamente para diminuir o pico de consumo de energia. Esta falta de planejamento se dá, dentre outros fatores, pela ausência de participação, na gestão, de pessoas que tenham conhecimento técnico sobre a temática, pontuou o debate.
O pesquisador da USP também chamou a atenção para outras causas da crise hídrica e energética, envolvendo, além de aspectos relacionados à industrialização e às condições climáticas, o assoreamento. Por ser um processo no qual ocorre o acúmulo de sedimentos e detritos (terra, lixo, matéria orgânica) dentro de um lago, represa ou rio, fazendo com que o fundo se eleve, o assoreamento provoca a diminuição do volume útil do reservatório, apesar de comumente não ser lembrado como um fator preocupante.
"A falta de chuva é algo fácil de se enxergar; o assoreamento é silencioso, constante", colocou Mauad. "Quando é descoberto, ele geralmente já provocou danos, como redução extrema no volume de água em algumas partes do rio, e alagamento de outras", complementou. Mauad também explicou como são produzidos os estudos relacionados ao volume dos reservatórios, e como são gerados os mapas com as informações referentes ao assoreamento.
Outro tema abordado foi o dos rios voadores, que, como explicou Marques, é um fenômeno caracterizado por cursos de água atmosféricos, que concentram massas de ar carregadas de vapor. "O movimento se inicia na insolação, que causa a evaporação das águas do Atlântico. As correntes de ventos levam essa evaporação para dentro da Amazônia, que é uma área úmida e densa. A água que vem do oceano em forma de nuvem se junta à umidade produzida por árvores e plantas da Amazônia, formando os chamados rios voadores, que chegam a até 200 quilômetros de extensão. Eles trazem chuvas para áreas como Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além de parte do Paraguai, Argentina e Uruguai", explicou. Trata-se, portanto, de um fenômeno importante, e que deve ser valorizado em tempos de escassez hídrica, já que pode alimentar os reservatórios desses locais. No entanto, o desmatamento causa impactos importantes, evidenciando a complexidade dos fatores envolvidos na crise hídrica.
Por fim, os convidados refletiram sobre possíveis caminhos a serem trilhados, que envolvem, além do necessário planejamento estratégico, o engajamento da sociedade, o que é, também, um desafio. "Muitas vezes, há falta de comunicação e de empoderamento, de conhecimento, para que as pessoas entendam como participar e se engajar", afirmou Mauad.
Para Hanai, a gestão da água tem de ser sistêmica, não simplista, e deve ser feita de forma integrada, envolvendo a participação de diversos agentes da sociedade, inclusive os que detêm o conhecimento técnico sobre o assunto. Marques finalizou afirmando que uma das possibilidades para sair da crise é focar em inovações de processos, que podem trazer benefícios como, por exemplo, aumento de produtividade e redução de custos, com busca de alternativas mais sustentáveis.
O Ciência UFSCar teve transmissão nos canais UFSCar Oficial no Facebook e YouTube e cobertura ao vivo no Twitter @ciencia_ufscar. A gravação está disponível nos canais para quem não pôde acompanhar ao vivo.
A iniciativa, promovida pela Assessoria de Comunicação Científica da UFSCar, tem o intuito de democratizar o acesso ao conhecimento e colocá-lo em diálogo com outros saberes e com as principais demandas, desafios e problemas da sociedade. Sugestões de temas para próximos encontros e solicitações de apoio na divulgação de resultados de pesquisa podem ser encaminhadas ao e-mail culturacientifica@ufscar.br.
O debate teve a participação de Frederico Yuri Hanai, docente do Departamento de Ciências Ambientais (DCAm) da UFSCar e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCAm) da Universidade; Frederico Fábio Mauad, docente do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), vinculado ao Centro de Recursos Hídricos e Ecologia Aplicada (CRHEA); e Homel Pedroso Marques, mestrando no PPGCAm, que atua no momento como especialista em políticas públicas de meio ambiente no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Na ocasião, os pesquisadores caracterizaram a atual crise hídrica vivida no Brasil, em que os reservatórios de água para produção de energia elétrica encontram-se, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), nos menores níveis dos últimos 91 anos. Com estados que abrigam os principais desses reservatórios em alerta de emergência hídrica e a chegada da estação mais seca na maior parte do País, a partir deste mês a tarifa de energia tem reajuste de 52%, e não está afastado o risco de racionamento ou, até mesmo, interrupção no fornecimento de energia.
Este cenário, no entanto, não se compôs recentemente. Mauad realizou uma breve retrospectiva sobre a crise hídrica - e, em consequência, energética - no Brasil a partir da década de 1950, relacionada ao processo de industrialização do País. O pesquisador abordou iniciativas voltadas à diversificação da matriz energética, com ênfase em energias eólica, solar e biomassa, mas destacou a permanência do uso das termoelétricas. "A térmica deveria ser a última opção, vai na contramão do mundo, pelos impactos ambientais", ressaltou.
Hanai sintetizou que a crise diz respeito a duas características: quantidade e qualidade da água. "Há escassez em populações nas quais a quantidade de água é inferior à demanda das pessoas. Junto a isso, há pouca qualidade da água, e o ciclo se retroalimenta. Instaura-se, portanto, a crise hídrica", explicitou.
Ao mencionarem possíveis causas da crise, os convidados do Ciência UFSCar foram enfáticos ao concordarem sobre a falta de gestão e de planejamento hídricos. Segundo Hanai, o conceito de escassez ajuda a entender a crise hídrica e a explicar as questões relacionadas justamente à falta de planejamento e de gestão.
A escassez pode estar em várias categorias, sendo a mais comumente abordada a escassez física, relacionada geograficamente a determinado local, que pode não ter disponibilidade suficiente de água. "Mas não só isso: há a escassez econômica e estrutural, que se relaciona ao fato de não haver condições para viabilizar acesso à água a determinadas populações; a escassez provocada, que envolve, por exemplo, a contaminação, o que automaticamente diminui sua qualidade e disponibilidade; e a escassez conjuntural, que, em função de condições naturais ou sociais, causa a indisponibilidade de água", pontuou Hanai. E o Brasil segue sem um planejamento adequado para sanar ou reduzir essas diferentes categorias de escassez, registrou.
Mauad complementou, com um exemplo atual de contrassenso: o cancelamento do horário de verão, ao mesmo tempo em que há a proposta de alterar o horário de funcionamento das indústrias, justamente para diminuir o pico de consumo de energia. Esta falta de planejamento se dá, dentre outros fatores, pela ausência de participação, na gestão, de pessoas que tenham conhecimento técnico sobre a temática, pontuou o debate.
O pesquisador da USP também chamou a atenção para outras causas da crise hídrica e energética, envolvendo, além de aspectos relacionados à industrialização e às condições climáticas, o assoreamento. Por ser um processo no qual ocorre o acúmulo de sedimentos e detritos (terra, lixo, matéria orgânica) dentro de um lago, represa ou rio, fazendo com que o fundo se eleve, o assoreamento provoca a diminuição do volume útil do reservatório, apesar de comumente não ser lembrado como um fator preocupante.
"A falta de chuva é algo fácil de se enxergar; o assoreamento é silencioso, constante", colocou Mauad. "Quando é descoberto, ele geralmente já provocou danos, como redução extrema no volume de água em algumas partes do rio, e alagamento de outras", complementou. Mauad também explicou como são produzidos os estudos relacionados ao volume dos reservatórios, e como são gerados os mapas com as informações referentes ao assoreamento.
Outro tema abordado foi o dos rios voadores, que, como explicou Marques, é um fenômeno caracterizado por cursos de água atmosféricos, que concentram massas de ar carregadas de vapor. "O movimento se inicia na insolação, que causa a evaporação das águas do Atlântico. As correntes de ventos levam essa evaporação para dentro da Amazônia, que é uma área úmida e densa. A água que vem do oceano em forma de nuvem se junta à umidade produzida por árvores e plantas da Amazônia, formando os chamados rios voadores, que chegam a até 200 quilômetros de extensão. Eles trazem chuvas para áreas como Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além de parte do Paraguai, Argentina e Uruguai", explicou. Trata-se, portanto, de um fenômeno importante, e que deve ser valorizado em tempos de escassez hídrica, já que pode alimentar os reservatórios desses locais. No entanto, o desmatamento causa impactos importantes, evidenciando a complexidade dos fatores envolvidos na crise hídrica.
Por fim, os convidados refletiram sobre possíveis caminhos a serem trilhados, que envolvem, além do necessário planejamento estratégico, o engajamento da sociedade, o que é, também, um desafio. "Muitas vezes, há falta de comunicação e de empoderamento, de conhecimento, para que as pessoas entendam como participar e se engajar", afirmou Mauad.
Para Hanai, a gestão da água tem de ser sistêmica, não simplista, e deve ser feita de forma integrada, envolvendo a participação de diversos agentes da sociedade, inclusive os que detêm o conhecimento técnico sobre o assunto. Marques finalizou afirmando que uma das possibilidades para sair da crise é focar em inovações de processos, que podem trazer benefícios como, por exemplo, aumento de produtividade e redução de custos, com busca de alternativas mais sustentáveis.
O Ciência UFSCar teve transmissão nos canais UFSCar Oficial no Facebook e YouTube e cobertura ao vivo no Twitter @ciencia_ufscar. A gravação está disponível nos canais para quem não pôde acompanhar ao vivo.
A iniciativa, promovida pela Assessoria de Comunicação Científica da UFSCar, tem o intuito de democratizar o acesso ao conhecimento e colocá-lo em diálogo com outros saberes e com as principais demandas, desafios e problemas da sociedade. Sugestões de temas para próximos encontros e solicitações de apoio na divulgação de resultados de pesquisa podem ser encaminhadas ao e-mail culturacientifica@ufscar.br.
07/07/2021
17:00:00
11/08/2021
23:59:00
Adriana Arruda
Sim
Não
Estudante
Encontro evidenciou os múltiplos aspectos envolvidos na crise hídrica (Imagem: Reprodução YouTube)
13897