Pandemia escancara desigualdades presentes nas escolas brasileiras

São Carlos
Debate da série de encontros Ciência UFSCar abordou o tema, com a participação de docentes da UFSCar e da Unicamp
Quais escolas, para quem e para o quê? A questão norteou o quinto debate da série "Ciência UFSCar", realizado em 25 de agosto, com foco em reflexões sobre a Educação brasileira em tempos de pandemia. O evento teve a participação de Luana Costa Almeida, docente do Departamento de Teoria e Práticas Pedagógicas (DTPP) e dos programas de pós-graduação acadêmico e profissional em Educação (PPGE e PPGPE) da UFSCar; Carolina Catini, docente da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); e sua orientanda de mestrado Patrícia Bonani, que também é professora da rede municipal de Barueri (SP).

Na ocasião, foi enfatizada a importância de uma reflexão que vai além dos debates sobre o acesso às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e, também, sobre retomada de atividades presenciais, e que se relaciona diretamente com as desigualdades sociais do País.

Inicialmente, Almeida citou pesquisas, anteriores à pandemia, revelando que 30% dos domicílios brasileiros não têm conexão de Internet e, para 97% das pessoas, a principal forma de acesso é o celular, que não é adequado ao ensino. Mas, para além das TICs, a desigualdade é muito mais profunda - e se escancara na pandemia. "Ela envolve, dentre inúmeros fatores, insegurança alimentar, violência de gênero, ambiente inadequado de estudos e outros, que se mostram mais avassaladores no cenário pandêmico. A diferença das condições escolares de crianças de periferias e crianças moradoras de bairros com alto poder aquisitivo é imensa", sintetizou.

Bonani trouxe o debate para a prática: "Percebemos a escola pública periférica como um espaço no qual as crianças vão para comer e para ficar em um lugar seguro, enquanto os pais trabalham. Em casa, muitas famílias brasileiras dividem de dois a três cômodos, em várias pessoas. A questão na pandemia, para grande parte delas, é(ra): quando voltam as aulas?".

Catini complementou o debate, introduzindo questão que permeou toda a conversa: para que educar?

"Já estávamos em crise em relação a este questionamento, e a pandemia agravou ainda mais o quadro. Hoje, estamos diante de um cenário preocupante: há um processo de ampliação da desigualdade, aumento da concentração de renda, aumento de estudantes que estão virando moradores de rua e crescimento de desemprego", situou a docente da Unicamp. Assim, com uma perspectiva de futuro que envolve desemprego massivo ou a realização de trabalhos que não exigem anos de estudo, tem-se, concomitantemente, um cenário de evasão escolar e que precisa, com urgência, ser repensado na perspectiva da questão sobre objetivos da
Educação.

As pesquisadoras também debateram sobre a organização de educadores e educadoras diante dos desafios e dificuldades impostos pela pandemia, e refletiram sobre a privatização na escola pública, como se dá, e por quais motivos é um problema. Catini abordou como, hoje, há um processo de dominação empresarial e apropriação privada de ambientes escolares, que acaba desrespeitando, inclusive, a figura desses educadores e educadoras.

Almeida lembrou que novas tecnologias sempre estiveram presentes nos processos educacionais - desde rádio, TV, até, mais recentemente, a Internet, muitas vezes de modo positivo. "A questão é que algumas lógicas não são genuinamente educacionais e não estão preocupadas com a formação dos estudantes."

Bonani complementou: "Hoje as crianças estão sendo treinadas para apertar botões, sem a preocupação de trabalhar o cognitivo, o processo reflexivo, a interpretação de texto. Isso é muito grave".

Almeida, a partir do desvelamento de contradições, trouxe por fim uma visão esperançosa: "Contraditoriamente, tudo isso nos ajuda a repensar os processos: é a ação de busca de transformação".

Por fim, as convidadas refletiram sobre o futuro e os desafios da Educação em um mundo pós-pandêmico.
"Precisamos debater sobre qual ser humano queremos formar, e com base em quais princípios educacionais", ressaltou Almeida. Para isso, segundo as participantes. é preciso resgatar o protagonismo de educadores e suas possibilidades de pensar, planejar e executar livremente o próprio trabalho, sendo peça-chave em escolhas e decisões que sejam pensadas e adaptadas para a verdadeira realidade educacional do Brasil, de estudantes de escolas públicas, provenientes das periferias.

Nesta direção, as docentes ressaltaram a importância de refletir, estudar e analisar o cenário atual e, ao encarar a realidade, pensar na Educação como um processo coletivo, que vai além dos muros das escolas e que tenta criar ambiente em prol da solidariedade e da colaboração, com vistas a ações para a diminuição das desigualdades.

"Ciência UFSCar" tem transmissão nos canais UFSCar Oficial no Facebook e YouTube, onde a gravação fica disponível para quem não pôde acompanhar ao vivo.

A iniciativa, promovida pela Assessoria de Comunicação Científica da UFSCar, tem o intuito de democratizar o acesso ao conhecimento e colocá-lo em diálogo com outros saberes e com as principais demandas, desafios e problemas da sociedade. Sugestões de temas para próximos encontros e solicitações de apoio na divulgação de resultados de pesquisa podem ser encaminhadas ao e-mail culturacientifica@ufscar.br. A Assessoria está também no Twitter, em @ciencia_ufscar.
27/08/2021
13:00:00
10/08/2022
23:59:00
Adriana Arruda
Não
Não
Estudante
Debate foi transmitido via YouTube e Facebook (Imagem: Reprodução YouTube)
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