Estudo analisa impacto de incêndios nos ecossistemas brasileiros
Sorocaba, São Carlos
Pesquisa teve a participação de docentes de diversas instituições brasileiras, entre elas a UFSCar
Os incêndios que ocorrem anualmente em diferentes regiões do Brasil causam, além da destruição de amplas áreas de vegetação, morte de animais, acidentes em estradas, perda de plantações e problemas respiratórios nos seres humanos, dentre outros danos. Pesquisadores de nove instituições brasileiras compartilharam recentemente suas análises sobre as causas desses incêndios em diferentes ecossistemas, seus impactos no ambiente e consequências para o bem estar humano, em artigo na revista Perspectives in Ecology and Conservation intitulado "Compreendendo os incêndios catastróficos no Brasil: Causas, consequências e políticas necessárias para prevenir tragédias futuras".
Com base em revisão da literatura, no conhecimento especializado dos autores e em informações trocadas com administradores de parques nacionais, técnicos - do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Embrapa e de organizações não governamentais (ONGs) -, e com outros pesquisadores, os autores apresentam o panorama recente dos crescentes focos de incêndio nos biomas brasileiros e propõem estratégias para avançar na prevenção.
Alexander Vicente Christianini, docente do Departamento de Ciências Ambientais do Campus Sorocaba (DCA-So) da UFSCar e um dos autores do artigo, destaca a relevância de diferenciar os incêndios naturais dos causados pelo ser humano. Ele explica que, para avaliar o impacto causado por um incêndio, é preciso considerar, além de sua origem (natural ou humana), a intensidade, época do ano e as peculiaridades de cada bioma brasileiro, já que reagem de forma diferente ao fogo.
Os incêndios naturais costumam ser menos intensos e ocorrer em estações mais úmidas, já que, nas secas, dificilmente há relâmpagos ou raios, que são a fonte de ignição do fogo. Em vegetações como Cerrado (a savana brasileira) e áreas de campos nativos, a maioria das plantas e muitos animais têm adaptações para lidar com eles. Nestes locais, a vegetação se recupera das queimadas naturais relativamente rápido, e o fogo favorece a rebrota e floração de muitas espécies - como é o caso das herbáceas -, além de manter a biodiversidade. Já as florestas - Amazônia e Mata Atlântica - tendem a ser muito sensíveis às queimadas. "Quando há incêndios nessas vegetações, temos, comumente, um desastre, pois o fogo causa alta mortalidade de fauna e flora", afirma Christianini.
Já quando provocadas pelo ser humano, as queimadas ocorrem em qualquer época do ano, especialmente nas secas, o que traz prejuízos à fauna e à flora de qualquer bioma. "Os incêndios provocados pela ação humana trazem grandes danos ambientais, já que, no período de seca, há muito mais combustível (material seco) presente na natureza, o que facilita a propagação do fogo", explica o pesquisador da UFSCar. São, assim, incêndios de grandes intensidade e temperatura, que podem desencadear queimadas fora de controle, como a catástrofe ocorrida no Pantanal em 2020, com quase 30% do bioma em chamas.
Esses incêndios são comumente intencionais e provocados com frequência com o intuito de renovar a pastagem, limpar terrenos ou para desmatamento. "Quando o capim está seco, fica menos palatável ao gado; ao atear fogo nas pastagens, há um estímulo à rebrota do capim, que se tornará mais atrativo aos animais. Este é um jeito prático e pouco custoso de renovar a pastagem em curto prazo", comenta Christianini. No entanto, se o manejo do solo não for feito de forma adequada, pode ocasionar grandes problemas em longo prazo - além dos incêndios, redução de fertilidade do solo, por exemplo. "O ideal seria que o pecuarista tivesse acesso a um maquinário adequado, capital e mão de obra para a renovação das pastagens, algo que nem sempre é possível em determinadas regiões", compartilha o pesquisador.
Manejo integrado e estratégias de prevenção
Para evitar cenários catastróficos de incêndios, os autores do estudo alertam para a necessidade do manejo integrado do fogo. Trata-se de estratégias que colocam em prática o conhecimento a respeito dos efeitos do fogo em diferentes tipos de solo e vegetação e que levam em conta a legislação pertinente, com vistas à conservação e ao uso sustentável dos ecossistemas.
As principais estratégias consistem em entender as variáveis climáticas do local no momento (vento, umidade do solo e umidade relativa do ar); avaliar se há necessidade de uso de fogo em determinada situação, e de quais maneiras é possível reduzir o risco de ocorrerem incêndios indesejados; alinhar essas ações com terras vizinhas e autoridades; dentre outras.
Em ecossistemas úmidos, o manejo integrado visa prevenir incêndios florestais com estratégias como a criação de aceiros, que são faixas ao longo de divisas ou cercas em que a vegetação é eliminada da superfície do solo, para evitar a passagem do fogo. Nos ecossistemas mais adaptados ao fogo, como o Cerrado, é possível promover queimadas estratégicas para reduzir a biomassa inflamável durante a seca. "A queima deve ser feita em dias e horários específicos, em ocasiões em que não há vento em abundância e com umidade relativa do ar adequada; ou seja, é uma queima com bastante critério, ação que passa necessariamente por uma gestão bem sucedida, baseada em conhecimento técnico e conscientização ambiental", explica Christianini.
A partir de 2008, a estratégia de Manejo Integrado de Fogo (MIF) tem sido desenvolvida em unidades de conservação federais, em áreas de Cerrado. No entanto, a aplicação do MIF ainda é limitada, já que o Projeto de Lei (PL 11276/2018) para regulamentação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo está parado no Congresso desde 2018.
Por fim, os pesquisadores apontam que, para reverter o cenário de grandes incêndios no Brasil, é preciso mudar o foco de políticas reativas ao problema - quando os incêndios já estão ocorrendo -, para chegar em políticas preventivas, como o próprio MIF. "Precisamos evitar que os incêndios danosos aconteçam, para não ter de de correr para os apagar quando já estão ocorrendo."
Nesta direção, o docente da UFSCar enfatiza a importância da conscientização coletiva de que os incêndios trazem problemas não só ambientais, mas também econômicos, sociais e de saúde. Além disso, é importante valorizar os proprietários de terras que seguem as leis locais e estimular mercados que favoreçam produtos provenientes de áreas reconhecidamente livres de práticas mais agressivas ao ambiente. "Só a participação de diferentes atores juntos, com um compromisso comum e em prol do desenvolvimento sustentável, trará benefícios mútuos - para a natureza e para todas as pessoas envolvidas", finaliza.
As instituições participantes do estudo são, além da UFSCar, a Universidade de São Paulo (USP); universidades federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), de Mato Grosso do Sul (UFMS) e de Pernambuco (UFPE); o Museu Paraense Emílio Goeldi; o ICMBio; o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden); e a Embrapa.
O artigo está disponível em acesso aberto, em Inglês, neste link, e foi traduzido para o Português aqui.
Com base em revisão da literatura, no conhecimento especializado dos autores e em informações trocadas com administradores de parques nacionais, técnicos - do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Embrapa e de organizações não governamentais (ONGs) -, e com outros pesquisadores, os autores apresentam o panorama recente dos crescentes focos de incêndio nos biomas brasileiros e propõem estratégias para avançar na prevenção.
Alexander Vicente Christianini, docente do Departamento de Ciências Ambientais do Campus Sorocaba (DCA-So) da UFSCar e um dos autores do artigo, destaca a relevância de diferenciar os incêndios naturais dos causados pelo ser humano. Ele explica que, para avaliar o impacto causado por um incêndio, é preciso considerar, além de sua origem (natural ou humana), a intensidade, época do ano e as peculiaridades de cada bioma brasileiro, já que reagem de forma diferente ao fogo.
Os incêndios naturais costumam ser menos intensos e ocorrer em estações mais úmidas, já que, nas secas, dificilmente há relâmpagos ou raios, que são a fonte de ignição do fogo. Em vegetações como Cerrado (a savana brasileira) e áreas de campos nativos, a maioria das plantas e muitos animais têm adaptações para lidar com eles. Nestes locais, a vegetação se recupera das queimadas naturais relativamente rápido, e o fogo favorece a rebrota e floração de muitas espécies - como é o caso das herbáceas -, além de manter a biodiversidade. Já as florestas - Amazônia e Mata Atlântica - tendem a ser muito sensíveis às queimadas. "Quando há incêndios nessas vegetações, temos, comumente, um desastre, pois o fogo causa alta mortalidade de fauna e flora", afirma Christianini.
Já quando provocadas pelo ser humano, as queimadas ocorrem em qualquer época do ano, especialmente nas secas, o que traz prejuízos à fauna e à flora de qualquer bioma. "Os incêndios provocados pela ação humana trazem grandes danos ambientais, já que, no período de seca, há muito mais combustível (material seco) presente na natureza, o que facilita a propagação do fogo", explica o pesquisador da UFSCar. São, assim, incêndios de grandes intensidade e temperatura, que podem desencadear queimadas fora de controle, como a catástrofe ocorrida no Pantanal em 2020, com quase 30% do bioma em chamas.
Esses incêndios são comumente intencionais e provocados com frequência com o intuito de renovar a pastagem, limpar terrenos ou para desmatamento. "Quando o capim está seco, fica menos palatável ao gado; ao atear fogo nas pastagens, há um estímulo à rebrota do capim, que se tornará mais atrativo aos animais. Este é um jeito prático e pouco custoso de renovar a pastagem em curto prazo", comenta Christianini. No entanto, se o manejo do solo não for feito de forma adequada, pode ocasionar grandes problemas em longo prazo - além dos incêndios, redução de fertilidade do solo, por exemplo. "O ideal seria que o pecuarista tivesse acesso a um maquinário adequado, capital e mão de obra para a renovação das pastagens, algo que nem sempre é possível em determinadas regiões", compartilha o pesquisador.
Manejo integrado e estratégias de prevenção
Para evitar cenários catastróficos de incêndios, os autores do estudo alertam para a necessidade do manejo integrado do fogo. Trata-se de estratégias que colocam em prática o conhecimento a respeito dos efeitos do fogo em diferentes tipos de solo e vegetação e que levam em conta a legislação pertinente, com vistas à conservação e ao uso sustentável dos ecossistemas.
As principais estratégias consistem em entender as variáveis climáticas do local no momento (vento, umidade do solo e umidade relativa do ar); avaliar se há necessidade de uso de fogo em determinada situação, e de quais maneiras é possível reduzir o risco de ocorrerem incêndios indesejados; alinhar essas ações com terras vizinhas e autoridades; dentre outras.
Em ecossistemas úmidos, o manejo integrado visa prevenir incêndios florestais com estratégias como a criação de aceiros, que são faixas ao longo de divisas ou cercas em que a vegetação é eliminada da superfície do solo, para evitar a passagem do fogo. Nos ecossistemas mais adaptados ao fogo, como o Cerrado, é possível promover queimadas estratégicas para reduzir a biomassa inflamável durante a seca. "A queima deve ser feita em dias e horários específicos, em ocasiões em que não há vento em abundância e com umidade relativa do ar adequada; ou seja, é uma queima com bastante critério, ação que passa necessariamente por uma gestão bem sucedida, baseada em conhecimento técnico e conscientização ambiental", explica Christianini.
A partir de 2008, a estratégia de Manejo Integrado de Fogo (MIF) tem sido desenvolvida em unidades de conservação federais, em áreas de Cerrado. No entanto, a aplicação do MIF ainda é limitada, já que o Projeto de Lei (PL 11276/2018) para regulamentação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo está parado no Congresso desde 2018.
Por fim, os pesquisadores apontam que, para reverter o cenário de grandes incêndios no Brasil, é preciso mudar o foco de políticas reativas ao problema - quando os incêndios já estão ocorrendo -, para chegar em políticas preventivas, como o próprio MIF. "Precisamos evitar que os incêndios danosos aconteçam, para não ter de de correr para os apagar quando já estão ocorrendo."
Nesta direção, o docente da UFSCar enfatiza a importância da conscientização coletiva de que os incêndios trazem problemas não só ambientais, mas também econômicos, sociais e de saúde. Além disso, é importante valorizar os proprietários de terras que seguem as leis locais e estimular mercados que favoreçam produtos provenientes de áreas reconhecidamente livres de práticas mais agressivas ao ambiente. "Só a participação de diferentes atores juntos, com um compromisso comum e em prol do desenvolvimento sustentável, trará benefícios mútuos - para a natureza e para todas as pessoas envolvidas", finaliza.
As instituições participantes do estudo são, além da UFSCar, a Universidade de São Paulo (USP); universidades federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), de Mato Grosso do Sul (UFMS) e de Pernambuco (UFPE); o Museu Paraense Emílio Goeldi; o ICMBio; o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden); e a Embrapa.
O artigo está disponível em acesso aberto, em Inglês, neste link, e foi traduzido para o Português aqui.
17/09/2021
11:20:00
30/11/2021
23:59:00
Adriana Arruda
Sim
Não
Estudante
Estudo reflete sobre estratégias para a prevenção de queimadas (Imagem: ilovehz - br.freepik.com)
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