Encontro evidencia potencial e desafios para o livro de acesso aberto

São Carlos
Iniciativa, parceria da EdUFSCar com Abeu, abordou modelos de negócio e a circulação de obras digitais das editoras universitárias

A publicação de periódicos e livros acadêmicos em acesso aberto - ou seja, sem cobrança para acesso ao conteúdo - é pilar de um movimento que, a cada dia, ganha mais força e abrangência, hoje já recebendo a denominação de Ciência Aberta. Ao mesmo tempo que a iniciativa é compreendida como essencial à democratização do acesso ao conhecimento, existem desafios importantes, relacionados sobretudo a modelos de negócio sustentáveis.

Para debater e compartilhar experiências relacionadas à temática, a Editora da UFSCar (EdUFSCar), em parceria com a Associação Brasileira de Editoras Universitárias (Abeu), realizou, nos dias 10 e 11 de novembro, o 1º Encontro do Livro de Acesso Aberto.

"O Encontro surgiu de inquietações compartilhadas em conversas informais entre diretores de editoras de universidades públicas, no contexto da pandemia. Detectamos a necessidade de maior reflexão, para que iniciativas esparsas de diferentes editoras pudessem convergir em ações coordenadas e, nesse sentido, a proposta foi acolhida pela Abeu", relata o Diretor da EdUFSCar, Wilson Alves-Bezerra. "Foi um primeiro passo, no sentido também de esclarecer a comunidade como um todo sobre a natureza do livro digital, o e-book, e as vantagens do e-book de acesso aberto", situa.

A conferência de abertura - "O livro, a leitura e suas tecnologias, agora" - tratou justamente da natureza do livro digital, com exposição de Ana Elisa Ribeiro, docente do Departamento de Linguagem e Tecnologia do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG), e mediação de Rejane Rocha, docente do Departamento de Letras (DL) da UFSCar. A convidada pontuou a importância de considerar o livro como tecnologia em mutação, resgatando como, ao longo dos séculos, foi de escritos em paredes de cavernas, depois em placas de cera, até chegar no papel impresso e, hoje, aos dispositivos eletrônicos. "As mudanças de agora se somam a outras já existentes. O impresso e o digital não necessariamente competem. Dentro de um ônibus, ao se sentar, a pessoa pode, durante um longo trajeto, preferir um livro impresso para leitura; mas, se estiver de pé, o celular ou o leitor de livros digitais podem ser mais práticos. Assim, é possível que cada formato seja útil em determinado momento ou contexto", ponderou.

Experiências compartilhadas
As outras três mesas do evento voltaram-se ao compartilhamento de experiências em andamento nas editoras brasileiras e, também, em outros países.

Fátima Beatriz Manieiro do Amaral, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da UFSCar, apresentou parte da sua pesquisa, que avalia as políticas editoriais e modelos de negócio para publicação de livros em acesso aberto, especialmente em editoras universitárias. Seus principais resultados mostram presença de obras de acesso aberto nos catálogos dessas editoras, mas com políticas editoriais neste escopo ainda em consolidação. A pesquisadora compartilhou que a maior parte das editoras respondentes publica as obras com mais de uma fonte de financiamento, sendo a principal recursos próprios - da editora e/ou da universidade -, seguida de recursos advindos dos autores, de parcerias externas e de agências de fomento.

Diferentes modelos de negócio e suas fontes de financiamento foram o foco da primeira mesa realizada no dia 11, que reuniu profissionais de diferentes iniciativas produtoras e fomentadoras do livro de acesso aberto no contexto europeu, onde a discussão e as soluções para a publicação em acesso aberto estão muito mais avançadas. A mediação ficou a cargo de Ariadne Chloe Mary Furnival, docente do Departamento de Ciência da Informação (DCI) da UFSCar.

Agata Morka, da Sparc Europe (Scholarly Publishing and Academic Resources Coalition), compartilhou resultados de levantamento sobre modelos de negócio para publicação em acesso aberto, detalhando quatro casos de editoras universitárias: FF Open Press, da Croácia; Helsinki University Press, da Finlândia; Stockholm University Press, da Suécia; e Opening the future, que envolve vários países. Dentre as diferentes fontes de financiamento dessas iniciativas estão recursos governamentais (de ministérios); subsídios das próprias universidades; recursos advindos de fomento à pesquisa (bolsas e outras modalidades); cobrança dos custos de produção dos próprios autores; e modelos de colaboração com bibliotecas, por meio de assinaturas. A diversidade de fontes foi, inclusive, ressaltada como alternativa positiva, para que uma fonte possa compensar outras que, eventualmente, deixem de existir em determinado momento.

O modelo da Opening the future despertou questões na audiência. Nele, recursos advindos da assinatura, pelas bibliotecas, de pacotes que garantem o acesso a versões digitais de livros comercializados (obras mais antigas, não lançamentos), são utilizados para a publicação de obras em acesso aberto. A iniciativa está vinculada à rede Copim, parceria internacional voltada à construção de sistemas e infraestruturas coletivos para fomento à ampliação da publicação em acesso aberto.

Lucy Barnes, da Open Book Publishers, apresentou o modelo da editora britânica mantida por acadêmicos, sem fins lucrativos, que publica suas obras digitais exclusivamente em acesso aberto, todas selecionadas em processos de revisão por pares. Barnes compartilhou que os recursos para manutenção da editora vêm, principalmente, da venda de exemplares físicos de livros que, na sua versão digital, são gratuitos, junto a recursos vinculados ao fomento à pesquisa. Também neste caso há a alternativa de assinatura do serviço por bibliotecas. Barnes compartilhou que expectativa é que a alternativa das assinaturas cresça cada vez mais, por se tratar de fonte mais estável de recursos.

Tom Mosterd, da Oapen (Open Access Publishing in European Networks), fundação sediada na Holanda, apresentou três iniciativas: o Diretório de Livros de Acesso Aberto (DOAB), que indexa obras em acesso aberto visando sua maior visibilidade e disseminação; a OAPEN Library, também um repositório de livros de acesso aberto; e o OA Books Toolkit, serviço voltado a autores, com um conjunto de materiais sobre as diferentes etapas da publicação em acesso aberto. Mosterd também comentou projeto que visa tornar mais transparente o processo de revisão por pares e, assim, ampliar a confiança em livros de acesso aberto.

Os três convidados lideram mais uma iniciativa colaborativa voltada ao fomento à publicação em acesso aberto, a Open Access Book Network, que também foi apresentada no evento.

Na mesa de encerramento, mediada pelo Diretor da EdUFSCar, Wilson Alves-Bezerra, a atenção voltou-se a experiências brasileiras. Relataram suas experiências com livros em acesso aberto as editoras das universidades federais da Bahia (UFBA) e do ABC (UFABC).

A experiência da EdUFBA, considerada pioneira na publicação de livros em acesso aberto, foi apresentada por sua Diretora, Flávia Goulart Rosa, que também integra a Diretoria da Abeu. Ela contou que os primeiros livros foram disponibilizados no processo de criação do Repositório Institucional da Universidade, ainda na década de 2010, e hoje são mais de 700 títulos em acesso aberto. Já a Editora UFABC está no outro extremo, por ser uma editora jovem, criada há apenas oito anos. Sua experiência com o acesso aberto começou no âmbito da entrada na Scielo Livros e, com a pandemia, foi ampliada. O Coordenador da Editora, Fernando Costa Mattos, destacou a relevância do compromisso institucional para que seja possível avançar no sentido do acesso aberto.

Uma preocupação recorrente em diferentes momentos do evento foi com a queda na venda de exemplares físicos a partir da disponibilização da versão digital em acesso aberto. Nesse sentido, Rosa defendeu a convicção de que o acesso aberto confere maior visibilidade às editoras e suas obras, em um contexto de pouco espaço na imprensa para o livro acadêmico e dependência, assim, de redes sociais e eventos (como as feiras e eventos acadêmicos como seminários e congressos) para divulgação e vendas.

"No contexto específico da EdUFSCar, é fundamental compreender a natureza do livro de acesso aberto inclusive porque, pelo seu modelo de negócio, a Editora depende da venda dos livros. Mas nós entendemos que a Editora pode ter livros em acesso aberto e livros comercializados, atuando nessas duas frentes para poder cumprir com a sua missão de circulação do conhecimento e, ao mesmo tempo, garantir a sua saúde financeira e a sua existência no tempo", registra Alves-Bezerra. Ele conta que, no próximo semestre, uma nova edição do encontro deve ser realizada, na qual a expectativa é conhecer experiências também da América Latina e dos Estados Unidos, onde, como na Europa, a prática é mais disseminada.

O evento, que contou com apoio do Instituto da Cultura Científica (ICC) da UFSCar, foi transmitido nos canais UFSCar Oficial no YouTube e no Facebook, onde as gravações dos debates seguem disponíveis.

*Texto elaborado por Mariana Pezzo e Adriana Arruda.

12/11/2021
18:10:00
16/12/2021
23:59:00
Mariana Pezzo
Sim
Não
Estudante
Conferência de abertura abordou natureza do livro digital (Imagem: Reprodução)
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