Análise evidencia luto como resistência no Brasil da Covid-19
Lagoa do Sino, São Carlos
Pesquisadores analisaram fala e gestos de Bolsonaro e, em contraponto, charges e homenagens às vítimas da pandemia
A pandemia de Covid-19 trouxe, dentre tantas outras perdas, obstáculos à experiência do luto, fundamental não apenas na dimensão individual de quem perdeu pessoas queridas, mas também na dimensão coletiva. No Brasil, à impossibilidade de realização de velórios e outros rituais, por restrições sanitárias, somou-se o modo como a crise foi gerida no País. Neste contexto, enquanto o Presidente da República, Jair Bolsonaro, silenciou a pandemia e banalizou a morte, artistas e familiares das vítimas resistiram, encontrando novos meios de viver o luto e manter a memória dos mortos.
Estes são alguns dos aspectos evidenciados no artigo "Os sentidos do luto na pandemia da Covid-19 no Brasil", publicado na revista Cadernos de Estudos Linguísticos, editada no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Compondo o dossiê "Versões do Luto: Análise do Discurso e Psicanálise", que integra o volume 63 da publicação, o artigo tem autoria de Ilka de Oliveira Mota, docente no Campus Lagoa do Sino da UFSCar, e Erich Lie Ginach, doutorando na Universidade de São Paulo (USP) e integrante do grupo de pesquisa "Popularização das Ciências Biológicas e Discurso" da UFSCar.
"O descaso do governo Bolsonaro com a pandemia e a resistência a esse estado de coisas são temas de grande relevância que o dossiê nos permitiu tratar", situa a docente da UFSCar. Para tanto, Mota e Ginach analisaram, a partir de referenciais teóricos da Análise Materialista do Discurso e da Psicanálise, um conjunto de materiais compostos por diferentes manifestações - falas e gestos - de Jair Bolsonaro sobre a pandemia; charges dos artistas Duke, Carlos Latuff e Renato Aroeira; e memoriais às vítimas da Covid-19. O objetivo foi compreender como o luto foi sendo significado na e pela sociedade brasileira no contexto estudado.
A partir de 13 manifestações de Bolsonaro - como, por exemplo, ao chamar a Covid-19 de gripezinha, ou quando afirmou não ser coveiro -, a análise dos pesquisadores identifica dois efeitos de sentido predominantes que, segundo eles, dão a base a toda a argumentação do Presidente: a maximização das perdas econômicas e a minimização da pandemia e da morte. Os autores registram que esses efeitos se apoiam mutuamente e, também, como essa relação se vincula ao neoliberalismo, em que um fato biológico é gerido por uma política de governo para a qual a vida é secundária.
O artigo também parte de fotografias retratando ações e gestos de Bolsonaro, em aglomerações, sem máscara ou rodeado por outras pessoas desprotegidas - e, até mesmo, retirando a máscara do rosto de uma criança - e comemorando seu aniversário quando o País registrava suas primeiras 300 mil mortes por Covid-19. Conclui, assim, que na região de sentidos da qual Bolsonaro enuncia (chamada, a partir do referencial adotado, de formação discursiva, não há lugar para homenagear os mortos ou elaborar o luto. Mais uma vez defendendo que o Presidente representa o discurso neoliberal, autoritário e negacionista, os autores afirmam que sua fala e seus gestos "silenciam/censuram a tragédia social e o luto, acontecimentos que são politicamente destrutivos para ele".
De outro lado, com a frase "Onde há censura há possibilidade de falha, de resistência", os autores introduzem segmento do texto em que avaliam que um dos principais focos de resistência a Bolsonaro vem do campo da arte e, em particular, do trabalho de chargistas brasileiros. Analisando imagens em que os artistas selecionados expressam suas críticas ao Presidente e denunciam sua responsabilidade pelas mortes registradas no País, afirmam que as charges dizem "de forma estética o que o governo silencia e censura: ele tem uma política de perfil nazifascista e negacionista que desdenha os doentes e mortos, produzindo um genocídio".
Por fim, a trabalho aponta também a resistência dos enlutados, ao analisar discursos vinculados aos memoriais In-finito - obra arquitetônica no Rio de Janeiro - e Inumeráveis - site acessível em inumeráveis.com.br -, dedicados ao registro dos nomes e à valorização da memória das vítimas da Covid-19. Destacando o possível papel desses memoriais na experiência do luto, prejudicada pelas restrições impostas aos velórios e outros rituais de despedida na pandemia, os autores avaliam que funcionam "como lugares de resistência à banalização da morte" e "à negação do luto".
"É relevante compreender os processos históricos de significação que estão marcados no dizer, no discurso. Todo discurso põe em cena diferentes posições-sujeito. Essas posições materializam as diferentes ideologias em disputa em uma formação social. Ao enunciar de uma posição-sujeito capitalista, o Presidente minimiza ou ignora o luto alegando razões econômicas, ao passo que as famílias, enunciando da posição-sujeito do enlutado, sofrem o luto e buscam formas de lidar com a perda", sintetiza Mota.
Estes são alguns dos aspectos evidenciados no artigo "Os sentidos do luto na pandemia da Covid-19 no Brasil", publicado na revista Cadernos de Estudos Linguísticos, editada no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Compondo o dossiê "Versões do Luto: Análise do Discurso e Psicanálise", que integra o volume 63 da publicação, o artigo tem autoria de Ilka de Oliveira Mota, docente no Campus Lagoa do Sino da UFSCar, e Erich Lie Ginach, doutorando na Universidade de São Paulo (USP) e integrante do grupo de pesquisa "Popularização das Ciências Biológicas e Discurso" da UFSCar.
"O descaso do governo Bolsonaro com a pandemia e a resistência a esse estado de coisas são temas de grande relevância que o dossiê nos permitiu tratar", situa a docente da UFSCar. Para tanto, Mota e Ginach analisaram, a partir de referenciais teóricos da Análise Materialista do Discurso e da Psicanálise, um conjunto de materiais compostos por diferentes manifestações - falas e gestos - de Jair Bolsonaro sobre a pandemia; charges dos artistas Duke, Carlos Latuff e Renato Aroeira; e memoriais às vítimas da Covid-19. O objetivo foi compreender como o luto foi sendo significado na e pela sociedade brasileira no contexto estudado.
A partir de 13 manifestações de Bolsonaro - como, por exemplo, ao chamar a Covid-19 de gripezinha, ou quando afirmou não ser coveiro -, a análise dos pesquisadores identifica dois efeitos de sentido predominantes que, segundo eles, dão a base a toda a argumentação do Presidente: a maximização das perdas econômicas e a minimização da pandemia e da morte. Os autores registram que esses efeitos se apoiam mutuamente e, também, como essa relação se vincula ao neoliberalismo, em que um fato biológico é gerido por uma política de governo para a qual a vida é secundária.
O artigo também parte de fotografias retratando ações e gestos de Bolsonaro, em aglomerações, sem máscara ou rodeado por outras pessoas desprotegidas - e, até mesmo, retirando a máscara do rosto de uma criança - e comemorando seu aniversário quando o País registrava suas primeiras 300 mil mortes por Covid-19. Conclui, assim, que na região de sentidos da qual Bolsonaro enuncia (chamada, a partir do referencial adotado, de formação discursiva, não há lugar para homenagear os mortos ou elaborar o luto. Mais uma vez defendendo que o Presidente representa o discurso neoliberal, autoritário e negacionista, os autores afirmam que sua fala e seus gestos "silenciam/censuram a tragédia social e o luto, acontecimentos que são politicamente destrutivos para ele".
De outro lado, com a frase "Onde há censura há possibilidade de falha, de resistência", os autores introduzem segmento do texto em que avaliam que um dos principais focos de resistência a Bolsonaro vem do campo da arte e, em particular, do trabalho de chargistas brasileiros. Analisando imagens em que os artistas selecionados expressam suas críticas ao Presidente e denunciam sua responsabilidade pelas mortes registradas no País, afirmam que as charges dizem "de forma estética o que o governo silencia e censura: ele tem uma política de perfil nazifascista e negacionista que desdenha os doentes e mortos, produzindo um genocídio".
Por fim, a trabalho aponta também a resistência dos enlutados, ao analisar discursos vinculados aos memoriais In-finito - obra arquitetônica no Rio de Janeiro - e Inumeráveis - site acessível em inumeráveis.com.br -, dedicados ao registro dos nomes e à valorização da memória das vítimas da Covid-19. Destacando o possível papel desses memoriais na experiência do luto, prejudicada pelas restrições impostas aos velórios e outros rituais de despedida na pandemia, os autores avaliam que funcionam "como lugares de resistência à banalização da morte" e "à negação do luto".
"É relevante compreender os processos históricos de significação que estão marcados no dizer, no discurso. Todo discurso põe em cena diferentes posições-sujeito. Essas posições materializam as diferentes ideologias em disputa em uma formação social. Ao enunciar de uma posição-sujeito capitalista, o Presidente minimiza ou ignora o luto alegando razões econômicas, ao passo que as famílias, enunciando da posição-sujeito do enlutado, sofrem o luto e buscam formas de lidar com a perda", sintetiza Mota.
05/01/2022
14:55:00
04/01/2023
23:59:00
Mariana Pezzo
Sim
Não
Estudante
Homenagem a vítimas da Covid-19 em SP (Foto: Elineudo Meira, via fotospublicas.com)
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