Pesquisa analisa construção do gênero neutro na Língua Portuguesa

Araras, Sorocaba, Lagoa do Sino, São Carlos
Estudo da UFSCar traz, para debate, a língua como identidade e meio de respeito às diferentes formas de existir

Uma pesquisa desenvolvida na UFSCar investigou a construção do gênero neutro na Língua Portuguesa do Brasil, por meio de análises de textos escritos por linguistas profissionais (saber científico) e não linguistas (saber popular). Os resultados mostraram, de um lado, o controle religioso de discursos divergentes sobre a língua e, de outro, um posicionamento que vê na língua a possibilidade de representação e de luta por direitos.

O estudo foi realizado por Robert Moura, mestre em Linguística pela Universidade, em sua dissertação de mestrado, sob orientação de Roberto Baronas, docente no Departamento de Letras (DL) da Instituição.

A motivação surgiu no processo de descoberta de Moura no ambiente acadêmico, no qual se nomeou e falou de sua própria existência como pessoa trans não-binária.

"Parte da comunidade LGBTQIAPN+, especialmente pessoas não-binárias (ou seja, que não se identificam como homens ou mulheres), buscam, na língua, formas mais concretas de representar suas existência e resistência. Isso passa por pensar em marcações de gênero que possam ir além de masculino e feminino", explica.

O material estudado foram textos, desde gramáticas e artigos científicos e de divulgação científica, até materiais jornalísticos e, também, publicados em blogs de coletivos LGBTQIAPN+.

A análise abrangeu, além de argumentos e contra-argumentos sobre a construção e a circulação do gênero neutro na Língua Portuguesa brasileira, as abordagens de seu uso à luz da Linguística Popular, por meio da teorização de Marie-Anne Paveau, docente de Ciências da Linguagem na Université Sorbonne Paris Nord (França).


"Cientistas, principalmente da Linguística Popular, validam a importância de saberes linguísticos de pessoas que não estudam a linguagem de um ponto de vista acadêmico. Neste caso, entendem que a língua é mais do que uma forma de se comunicar: constitui identidade, uma marca de existência e uma forma de resistência de pessoas socialmente menorizadas", registra Moura.

E complementa: "É no continuum entre o científico e o popular que detectamos divergências e concordâncias, que vão desde a validação dos conhecimentos de linguistas populares, até as propostas levantadas para a (re)formulação do aspecto linguístico marcador de gênero na Língua Portuguesa brasileira".

Em sua pesquisa, Moura identificou que o tema começou a ter popularidade em 2020 e, junto a ela, a emersão de movimentos contrários à linguagem neutra, especialmente de 2020 a 2022, com projetos de lei que tentam barrar seu uso. "São majoritariamente ligados a partidos políticos de direita e de cunho religioso, imbricando na ideia de homem e mulher como únicas possibilidades de existência. Reafirmam privilégios e invalidam as necessidades das pessoas que não são constituídas por características cis, heteronormativas, geralmente brancas e de classe média. Esses dados são importantes para pensarmos em como a sociedade age diante de inovações linguísticas, em especial as motivadas por grupos socialmente marginalizados", analisa.

Moura identificou, também, pessoas linguistas e não linguistas que lutam por identidade e veem a língua como uma das formas de reconhecimento e representação da comunidade LGBTIQAPN+ nos espaços sociais.

Neutra e inclusiva
Dentre as propostas populares que atualmente seguem em debate estão o uso de linguagem neutra e, também, de linguagem inclusiva.

A linguagem neutra envolve propostas que visam à inserção de novas formas para a marcação de gênero de pessoas não-binárias na língua, como "@", "x", "e" e "*" (menin@, meninx, menine, menin*). 

Já a inclusiva sugere o uso de formas linguísticas já existentes na Língua Portuguesa. "Em vez de falar ou escrever 'olá a todos', a saudação passa a ser 'olá a todas as pessoas'. Isso porque o 'todos' reforça o gênero masculino e, do ponto de vista da proposta inclusiva de gênero, junto a ele vem a posição de privilégio dos homens perante a sociedade", exemplifica.

Para Moura, trazer a temática para debate é importante para desmistificar o assunto e, sobretudo, construir uma sociedade mais inclusiva.

"Diálogos são fundamentais para traçarmos caminhos mais justos e mais humanos. O gênero neutro na Linguística traz inclusão, e não destruição da Língua Portuguesa brasileira. É o saber lidar com as novas formas de existência", pontua.

E finaliza: "Desejo que outras pessoas negras, pobres, indígenas, pessoas com deficiência e LGBTQIAPN+ possam ter a oportunidade de se encontrar na Ciência como eu - ela também é para todas as pessoas".

A dissertação de mestrado de Moura está disponível no Repositório Institucional da UFSCar. Reflexões sobre a pesquisa também podem ser conferidas em artigo de divulgação científica, divulgado na Roseta, uma publicação da Associação Brasileira de Linguística (Abralin).

30/01/2023
13:21:00
04/01/2024
23:59:00
Adriana Arruda
Sim
Não
Estudante, Docente/TA, Visitante, Pesquisador
Estudo traz a língua como identidade e meio de respeito (Imagem: Vectonauta no Freepik)
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