Assédio não cabe na UFSCar!
O que cabe dentro da UFSCar? Ciência? Cabe! Inovação e empreendedorismo? Cabem! Cultura e lazer? Cabem também! Diálogo e divergência de ideias? Com certeza, cabem! Avanços no conhecimento e desenvolvimento de novas tecnologias? Ah, cabem! Formação profissional e cidadã? Cabe! Compromisso social? Cabe, muito! Práticas esportivas e cuidados com o corpo e a mente? E como cabem! Diversidade, empatia, acolhimento, respeito? Cabem e devem caber cada dia mais.
E assédio, cabe dentro da UFSCar? Não, não cabe, em nenhuma de suas formas. De acordo com a professora Sabrina Mazo D'Affonseca, do Departamento de Psicologia (DPsi) da UFSCar e pesquisadora do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (Laprev), "o assédio pode ser definido como comportamentos de perseguição insistentes e inconvenientes que têm como alvo uma pessoa ou grupo específico. Uma relação de assédio pode ser identificada a partir de quaisquer comportamentos que sejam sistemáticos e que atinjam a integridade da vítima".
Segundo D'Affonseca, os tipos de assédio mais comuns são o moral - toda conduta abusiva, a exemplo de gestos, palavras e atitudes que se repetem de forma sistemática, atingindo a dignidade ou integridade psíquica ou física de um trabalhador - e sexual - a conduta de natureza sexual, manifestada fisicamente, por palavras, gestos ou outros meios, propostas ou impostas a pessoas contra sua vontade, causando-lhe constrangimento e violando a sua liberdade sexual.
No caso de assédio moral, são comportamentos típicos, por exemplo, contestar ou criticar constantemente o trabalho da pessoa; sobrecarregá-la com novas tarefas ou deixá-la propositalmente no ócio, provocando a sensação de inutilidade e incompetência; ignorar deliberadamente a presença da vítima; divulgar boatos ofensivos; dirigir-se a ela aos gritos e ameaçar sua integridade física. "Dentre as possíveis consequências, destacam-se: desmotivação; produtividade reduzida; aumento de erros e acidentes; demissões; absenteísmo; adoecimentos e licenças médicas frequentes", cita a pesquisadora do Laprev.
Quanto ao assédio sexual, as atitudes comuns são falas obscenas, convites sexuais inoportunos, toques indesejáveis, envio de fotos e mensagens com conotação sexual, comentários maledicentes a respeito da vida sexual da vítima etc. "O assédio sexual é um comportamento indesejado de natureza sexual que cria um ambiente hostil e intimidante para a pessoa que o vivencia, na maior parte das vezes, mulheres. Os assédios podem se manifestar em comentários sexuais não solicitados, avanços sexuais e toques físicos não desejados, exibição de material sexualmente explícito não solicitado, ameaças ou coerção relacionadas a questões sexuais, entre muitas outras situações", completa Laura Maria, estudante de Enfermagem na UFSCar e coordenadora de Núcleo do Movimento de Mulheres Olga Benário, uma articulação nacional em defesa dos direitos e das vidas das mulheres.
"Os efeitos do assédio sexual são muitos para a saúde, como depressão, crise de ansiedade, síndrome do pânico, ideação suicida, dores no corpo. Ao mesmo tempo, na universidade, a gente vê muito a evasão, em situações de assédio e de violência. As múltiplas áreas da vida são afetadas e a vítima vai precisar de uma rede de apoio e de cuidado que esteja consciente disso", afirma a professora Natália Salim, do Departamento de Enfermagem (DEnf) e Coordenadora de Diversidade e Gênero da Secretaria Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (SAADE) da UFSCar. "Esses efeitos podem variar de pessoa para pessoa, mas geralmente incluem doenças psicossomáticas, distúrbios gastrointestinais, problemas de sono e tensão muscular crônica, distúrbios alimentares, ISTs, além dos já citados pela professora Natália Salim, como estresse e ansiedade, síndrome do pânico, depressão, transtorno de estresse pós-traumático, entre outros", complementa Laura Maria.
Na opinião da ativista do Movimento de Mulheres Olga Benário, "para prevenção e combate do assédio sexual, são necessárias abordagens múltiplas e coletivas como educação e conscientização, políticas públicas, legislação e regulamentação adequadas, responsabilização, suporte jurídico e psicológico às vítimas. A prevenção e o combate ao assédio sexual devem ser esforços contínuos das organizações e governos para que este seja tratado como uma violação séria dos direitos humanos e da dignidade pessoal".
A Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001, tipificou o assédio sexual por chantagem como crime. A pena prevista é de um a dois anos de detenção. Trata-se de uma evolução na legislação, pois essa conduta era enquadrada no crime de constrangimento ilegal, cuja pena é a de detenção por três meses a um ano ou multa para o transgressor.
Bullying
O bullying é outra expressão do assédio. Trata-se de um fenômeno pelo qual uma criança ou um adolescente é sistematicamente exposto a um conjunto de atos agressivos (diretos ou indiretos), que ocorrem sem motivação aparente, mas de forma intencional, protagonizados por um ou mais agressores. Verifica-se, na relação, um desequilíbrio de poder e ausência de reciprocidade. Nela, a vítima possui pouco ou quase nenhum recurso para evitar ou se defender da agressão.
Dentre os modelos explicativos para a ocorrência do bullying, destaca-se a teoria bioecológica de Bronfenbrenner. "O modelo bioecológico parte da premissa de que a pessoa se desenvolve a partir de sua relação com o ambiente, composto de vários contextos que se caracterizam por sistemas de interação nos quais o indivíduo pode apresentar uma relação direta ou indireta, sendo afetado por eles e afetando-os, em um movimento contínuo e circular. Desse modo, a interação entre os membros do grupo de pares recebe influência de características da pessoa, do ambiente imediato e das camadas de ambiente onde se encontram inseridos. Ou seja, fatores individuais, contextuais e sociais influenciam uns aos outros de forma recíproca e circular. Consequentemente, o bullying se caracterizaria como um processo decorrente da interação entre a pessoa e o seu ambiente", explica a professora Sabrina Mazo D'Affonseca.
Há diferentes formas de expressão do bullying, que pode ser: físico, com chutes, empurrões, socos, pontapés e roubo de materiais; verbal, com a aplicação de apelidos humilhantes ou vergonhosos e insultos dirigidos contra a vítima; relacional, que pode ocorrer por meio da exclusão, prejudicando o relacionamento da vítima com os colegas; e eletrônico, ou cyberbullying, que se caracteriza quando se atinge a vítima proferindo agressões por meio de recursos eletrônicos. "Essas diferentes formas de manifestação do bullying podem ser compreendidas como bullying direto (agressões físicas e verbais) e bullying indireto, quando há uma agressão velada e se torna mais difícil a identificação, por exemplo, indiferença, isolamento, exclusão, difamação etc.", detalha a professora do DPsi.
Também de acordo com ela, os jovens podem desempenhar diferentes papéis no bullying, sendo que o papel desempenhado depende tanto do meio quanto das circunstâncias, pois não são papéis cristalizados. Dentre os papéis desempenhados, os principais são: os agressores, aqueles que praticam o bullying; as vítimas, quem sofre o bullying; as vítimas-agressoras, que atuam ora como vítimas, ora como agressoras, variando seu papel conforme o contexto e o momento; e os espectadores, aqueles que observam a situação e não tomam nenhuma atitude para impedir o bullying, em geral por temerem tornarem-se vítimas.
"Outros estudiosos do tema incluem mais papéis, como o do assistente, aquele que toma parte ativa no processo de bullying, porém, como seguidor do agressor líder; o reforçador, que tende a agir de forma a reforçar os comportamentos de bullying e, quando alguém sofre bullying, chega perto para ver o que está acontecendo, ri da vítima, incita o bullying e providencia 'audiência' para o agressor; o defensor, quem fica ao lado da vítima, visando apoiá-la e aconselhá-la, agindo ativamente para fazer os outros pararem o bullying; e o "forasteiro" (do Inglês outsider), que é a pessoa que fica de fora das situações de bullying e não assume nenhuma atitude para reforçar o agressor ou defender a vítima. Papéis semelhantes podem ser identificados no cyberbullying", descreve D'Affonseca.
O bullying e o cyberbullying podem acarretar consequências para a saúde física, psicológica, cognitiva e social de todos os envolvidos. Com relação às vítimas, pesquisadora do Laprev tem identificado a presença de pesadelos; sentimento de solidão e medo; preocupações constantes; comportamentos violentos; baixa autoestima; déficit nas habilidades sociais; sintomas de ansiedade e depressão; e pensamentos suicidas. Já ser agressor tem sido apontado como um forte preditor para comportamentos antissociais na vida adulta.
Atualmente, a implementação de estratégias de combate ao bullying é exigida pela Lei nº 13.185/2015, a qual institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática. De acordo com o artigo 4º da lei, estão entre os objetivos do Programa: capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema; instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores; dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores; e promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (o bullying), ou constrangimento físico e psicológico, cometidas por alunos, professores e outros profissionais integrantes de escola e de comunidade escolar.
Como cuidar das pessoas que sofreram assédio?
Para a professora Sabrina Mazo D'Affonseca, é relevante demonstrar para a sociedade a complexidade do fenômeno, as consequências e maneiras efetivas de se lidar com o problema. E, de modo específico, é fundamental desenvolver um ambiente em que a pessoa se sinta segura e apoiada.
Além disso, para ela, é importante trabalhar as habilidades de coping, ou seja aumentar, criar ou manter a percepção de controle pessoal frente a uma situação de estresse e o desenvolvimento de resiliência. "Nesse sentido, para as vítimas de assédio, é sugerido um treinamento de habilidades sociais (desenvolvimento de comportamentos assertivos); identificação de pensamentos automáticos, distorções cognitivas e crenças presentes; e a reestruturação cognitiva (a compreensão e ressignificação da situação sofrida, protagonizada ou presenciada), para que, a partir dessa ressignificação ,uma nova vida seja possível", conclui.
Campanha
Para combater o assédio e toda forma de violência, a UFSCar lançou a campanha "Discriminação não cabe na UFSCar. Aprenda, ensine: Violência é crime", uma estratégia para realizar um movimento educativo com a comunidade a fim de que todas as pessoas possam perceber o quanto podem ser violentas em suas atitudes cotidianas, mas também para intimidar possíveis agressores e mostrar que qualquer ato de violência é passível de investigação e punição perante a lei.
"Somos uma comunidade humana e plural. Combater todos os tipos de violência é importante para garantir o convívio pacífico e, mais que isso, permitir com que as diferentes visões de mundo se encontrem e possibilitem, com isso, a construção de um conhecimento plural, diverso, elaborado a partir de diferentes pontos de vista, experiências e culturas. Não é possível viver em uma sociedade de paz sem combater todos os tipos de violência", afirma Vinícius Nascimento, gestor da Secretaria Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (SAADE) da UFSCar.
No escopo da campanha, "queremos vestir os campi com cartazes, flyers, adesivos e promover diferentes tipos de ações educativas como rodas de conversa, diálogos e atividades culturais, tudo com o propósito de mitigar a violência, construir uma cultura da paz e promover a diversidade", destaca ele.
"Cada pessoa da comunidade UFSCar precisa se enxergar como um instrumento dessa transformação. A mudança exige o trabalho diário, a partir do diálogo franco e do forte engajamento de todas e todos", conclui a Reitora Ana Beatriz de Oliveira.