"Bicho papão" do ensino básico, Matemática pode ser domada pela "mágica"
Agora é a hora e a vez da própria XI Bienal de Matemática mostrar os seus números. Durante cinco dias, entre 29 de julho e 2 de agosto, o evento ofereceu, de 8 da manhã às 8 da noite, exposições, mesas-redondas, comunicações orais, oficinas, minicursos, pôsteres e plenárias - programação, realizada no Campus São Carlos da UFSCar, voltada para fomentar a investigação e a curiosidade entre os participantes.
A Bienal recebeu oficialmente 800 inscrições, mas o número de pessoas que estiveram no Campus superou os mil participantes, com a presença de estudantes, em todos os níveis, professores e pesquisadores de Matemática e de áreas afins, de muitos cantos do País. Pelas vias do Campus São Carlos da UFSCar rodaram ônibus e vans com placas de identificação de municípios paulistas vizinhos e de outros arredores bem mais longínquos, como o da equipe da Universidade Federal do Pará (UFPA), que encarou uma viagem de oito dias - quatro para vir e mais quatro para retornar -, de Belém a São Carlos.
Para o professor Adilson Presoto, da UFSCar (Campus São Carlos), um dos coordenadores e membro do comitê científico da XI Bienal de Matemática, o "evento cumpriu o seu papel". "A gente pode afirmar que a Bienal foi um sucesso. Por um lado, conseguimos realizar um evento que contribuiu bastante para popularizar e disseminar a cultura da matemática e sua importância para as demais áreas do conhecimento. Por outro lado, também fizemos um evento que conectou as pessoas presencialmente, permitindo a troca de experiências e conhecimentos e a expectativa que tenhamos projetos futuros", completa, ao refletir sobre a experiência da edição anterior da Bienal, em 2022, realizada logo após o fim do período de distanciamento social durante a pandemia de Covid-19.
Presoto avalia que a XI Bienal ainda tem outro êxito: "Estamos muito atentos à reciclagem das formas de ensino da matemática e na Bienal, que é uma espécie de fórum, conseguimos deixar isso muito claro, estimulando a reflexão e o próprio pensar sobre o que é a docência. E conseguimos fazer com que esses debates chegassem aos professores e professoras da Educação Básica", reflete. De acordo com o professor e pesquisador da UFSCar, as oficinas, dedicadas à refletir sobre as metodologias de ensino, foram as mais concorridas de toda a Bienal, atividade que foi organizada para professores e professoras dos ensinos fundamental e médio. Além disso, ele ressalta que para a UFSCar foi muito positivo, pois a Bienal funciona como uma espécie de grande vitrine para a Universidade.
Conhecimento discreto
O senso comum informa que a matemática está em todo lugar e, portanto, é necessário reconhecer a relevância desta área do conhecimento. No entanto, a matemática não é, digamos, "extrovertida". Se há uma personalidade na matemática, essa é discreta. Ela fica, na maior parte do tempo, nos bastidores, como por exemplo, na tecnologia de um smartphone ou mesmo em computadores, como destacado na reportagem De Pitágoras aos Problemas do Milênio: o que a Matemática investiga?, publicada aqui mesmo, no portal de notícias da UFSCar. Para o professor e pesquisador Pedro Malagutti, da UFSCar (Campus São Carlos), comparativamente, a matemática é para as ciências assim como o motor é para a geladeira. "A gente não se dá conta da sua existência, mas se ele parar de funcionar a gente logo se incomoda".
Talvez essa "timidez" possa explicar o fato de o ensino da matemática ainda ser um tabu, uma espécie de bicho de sete cabeças, como evidencia a primeira reportagem da série sobre a XI Bienal de Matemática, também publicada no portal da Universidade. Para Malagutti, o gargalo não está na personalidade introvertida da matemática, mas nas metodologias de ensino aplicadas na maior parte das escolas. De acordo com o professor, "o ensino da matemática não instiga e desperta a curiosidade ou a capacidade de raciocínio nas crianças e jovens. O ensino se reduz à repetição de fórmulas", sentencia.
Fabiana Santos Cotrin, professora e pesquisadora da UFSCar no Campus Lagoa do Sino, reitera as palavras do hoje colega Pedro Malagutti, mas que há alguns anos foi seu professor (ela fez graduação na UFSCar e formou-se em 2004). "O ensino da matemática é, na maioria das vezes, entediante. É um jeito quadrado de ensinar, que não instiga o pensamento e a criatividade", completa.
Fabiana e Pedro fazem coro ao apontar para a Bienal como espaço para novas ideias e perspectivas sobre como tornar o ensino diferente. "Para a maior parte das pessoas, faz sentido a gente pensar na matemática aplicada, pois ela, sozinha, acaba não tendo força, não tendo sentido", reflete Fabiana Santos.
O outro lado da matemática
Giovanna Lopes da Silva, estudante do 5o período da graduação em Matemática da UFSCar, no Campus São Carlos, estava entre as voluntárias da XI Bienal de Matemática. Ela, que já fez a opção pelo bacharelado, faz parte do Programa de Educação Tutorial (PET), do Departamento de Matemática, implantado pelo professor Pedro Malagutti.
Durante a Bienal, ela, juntamente com alguns e algumas colegas, esteve à frente da missão de fundir a matemática com a mágica. No fundo, as apresentações dos estudantes buscavam despertar o interesse das pessoas por aquilo que parece ser obra do ilusionismo, mas é pura matemática. "É bem divertido interagir com o público, perceber o quanto as pessoas se divertem e se interessam por aquilo que parece ser obra da 'magia', mas no fundo pode ser explicado pela racionalidade", comentou.
A performance dos estudantes durante a Bienal é um exemplo de que há caminhos menos entediantes para o ensino da matemática. "A tarefa da escola é conseguir apresentar o lado inventivo e divertido da matemática, mas também sabemos o desafio que é para os professores e professoras do ensino básico. A remuneração é baixa, o que leva a jornadas exaustivas de trabalho. Não dá tempo para se qualificar ou mesmo para planejar as aulas adequadamente", sentencia Pedro Malagutti.
"É uma mentira a ideia que a Matemática não desperta interesse. Se bem ensinada, aprende-se. Somos, no Brasil, um dos mais importantes países em pesquisas matemáticas, mas o conhecimento básico está muito aquém. Mas para superar este quadro, precisamos de um ensino básico melhor, e isso só virá com programas e projetos contínuos de formação continuada. No Japão, por exemplo, de três em três anos, os professores do ensino básico são estimulados a fazerem cursos de reciclagem e a remuneração, por lá, é semelhante à dos docentes do ensino superior; no Brasil a realidade é outra", enfatiza Pedro Malagutti.