Proposta de índice de avaliação de capacidade tecnológica de empresas rende prêmio a doutoranda da UFSCar

São Carlos
Tese recebeu o prêmio Conselho Federal de Administração da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
A proposição de um índice de mensuração da capacidade tecnológica em empresas de sistemas agroindustriais rendeu a uma doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção (PPGEP) da UFSCar o Prêmio Conselho Federal de Administração, reconhecendo seu trabalho como a melhor tese em nível de doutorado produzido na área de Administração Rural.

A premiação é concedida, anualmente, pela Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER) durante a realização de seu Congresso, que este ano ocorreu de 22 a 25 de julho, em Vitória, ES. De autoria de Cláudia De Mori, a tese estudou empresas do sistema agroindustrial, como propriedades agrícolas e indústrias de processamento, voltadas para a produção de trigo e leite.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), no setor do trigo atuam no Brasil 34 mil propriedades produtoras de trigo, com 2,1 milhões de hectares e produção de 5,9 milhões de toneladas do grão. Já o setor leiteiro, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação, faturou, em 2010, R$ 29 bilhões, sendo considerado o quarto no ranking de faturamento dos principais setores alimentícios do país em 2009. Segundo o IBGE, são 1,3 milhões de propriedades produtoras de leite, o que faz do Brasil o terceiro país com maior rebanho de gado leiteiro do mundo, a sexta maior produção mundial de leite e o terceiro maior produtor de queijo.

O Índice de Capacidade Tecnológica (ICT) proposto por De Mori busca aferir a capacidade tecnológica das empresas destes setores para auxiliá-las no monitoramento de seu desempenho tecnológico e potencial e na identificação de ações para melhoria de seus processos e produtos. Além disso, ela também buscou compreender a dinâmica tecnológica e de inovação das empresas estudadas e pautar a formulação de estratégias e políticas para o setor.

O ICT tem uma estrutura básica, composta por cinco elementos, também chamados macroíndices. Nesse sentido são avaliados recursos; atualização tecnológica; processos e rotinas; mecanismos de aprendizagem; e articulação e acessibilidade. Estes elementos são desdobrados em um conjunto de indicadores, refinados para especificidades de cada segmento estudado, que são agregados por um conjunto de pesos resultando em um índice que varia de zero a um.

Na metodologia para elaboração do índice, a pesquisadora partiu de pesquisas bibliográficas sobre o tema e consulta a especialistas dos setores para construção da estrutura do modelo. Ao todo foram consultados 32 profissionais. Numa segunda fase, realizou entrevistas com agentes dos setores, como propriedades rurais e indústrias de processamento, para validar a aplicabilidade do modelo e adequá-lo. Ao todo foram realizadas entrevistas em 200 propriedades rurais e 17 empresas agroindustriais, em dois períodos, entre janeiro e fevereiro de 2009, e entre novembro de 2010 e abril de 2011.

No processo de coleta das informações, a doutoranda contou com a ajuda de técnicos das associações de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) dos estados do Paraná e Rio Grande do Sul e da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (FAEMG), além do projeto Balde Cheio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Na aplicação do índice, verificou-se que, na média, a maioria das unidades agrícolas e empresas apresentaram valores menores a 0,5 no índice proposto, numa escala que vai de 0 a 1,0. Segundo a pesquisa, as empresas que obtiveram um maior o valor de ICT, apresentaram equilíbrio existente entre os diferentes elementos considerados demonstrando uma melhor estruturação da empresa no âmbito operacional, organizacional e relacional para gestão tecnológica. Isso significa, segundo De Mori, que estas empresas congregam um conjunto de esforços, habilidade e conhecimentos que permitem a elas operar as tecnologias disponíveis e conduzir seu processo produtivo de maneira mais eficiente e eficaz e com inovatividade.

A avaliação é de que os valores obtidos demonstram um perfil deficitário das empresas na gestão da tecnologia e da inovação, algo que pode estar relacionado ao baixo investimento em atividades inovativas, a carência de profissionais habilitados e a ausência de direcionamento da empresa no estabelecimento do papel e da função de Pesquisa e Desenvolvimento e de marketing. Além disso, outros fatores também podem influenciar essa performance, como o uso de tecnologias amadurecidas; a estruturação precária de ações de planejamento, gestão de qualidade, monitoramento e aplicação de métodos e técnicas de desenvolvimento de produtos e processo; pouca preocupação com a consolidação de mecanismos que permitam a aquisição, a socialização e a codificação de conhecimentos; e interações restritas com o ambiente externo. O maior valor para o índice encontrado na pesquisa dos dois setores avaliados foi de 0,79.

Nas entrevistas também fica evidente a característica dos setores agrícolas e agroindustriais de forte relação de dependência da oferta tecnológica procedente de outros setores industriais, seja no fornecimento de sementes e equipamentos agrícolas, seja no fornecimento de máquinas e de ingredientes para o processamento industrial ou mesmo como referências de produtos finais inovadores. Para De Mori, as instituições públicas têm importante papel na formação de recursos humanos e em algumas áreas vinculadas à produção agropecuária e aos princípios gerais de ciência de alimentos.

Grande parte das mudanças tecnológicas observadas nas empresas agroindustriais entrevistadas dizem respeito ao aumento de velocidade de processamento, à integração de etapas para estabelecimento de linhas contínuas, aos equipamentos que permitam a flexibilidade e multifuncionalidade para ampliação do mix de produto ofertado, às automatizações para redução de uso de mão de obra e para redução de tempos de parada. No caso de insumos, observam-se alterações no intuito de ampliação de conservação do alimento, como aditivos, conservantes e embalagem, além de enriquecimento do alimento em termos de nutrição e saúde e encurtamento de ciclo de produção. No segmento agropecuário, as inovações pautaram-se pela intensificação do uso de insumos para aumento de produtividade e pela adequação da matéria-prima às especificações de qualidade e de sanidade.

Segundo De Mori, a proposta deste índice é inovadora porque propõe uma forma agregada, com base num conjunto de pesos orientados num método de análise multicritério chamado AHP- Analytic Hierarchy Process, capaz de medir a capacidade tecnológica de empresas em setores específicos. Em sua pesquisa ela localizou outras propostas metodológicas, porém, com o uso de indicadores isolados para realização de análises comparativas, seja na forma de auditoria ou de análise de casos. "Alguns trabalhos avançam no intuito de compor índices agregados de mensuração da capacidade tecnológica, porém dedicados a outros setores ou com uso de somatórias simples ou de médias de escores sem ponderação", enfatiza De Mori.

O índice é algo importante, segundo a pesquisadora, porque basicamente todo o processo produtivo está baseado em tecnologia. "A tecnologia é o grande motor da competitividade das empresas. A partir do momento que empresas de um determinado setor apresentam uma alta capacidade de absorver, usar, adaptar, desenvolver e transferir tecnologias, ou seja, uma alta capacidade tecnológica, temos um setor dinâmico e com grande potencial de inovação", ressalta a pesquisadora, que associa a gestão da tecnologia a uma estratégia garantidora de eficiência e eficácia nos processos de produção.

A aplicação do índice também deve ser algo simples. De acordo com De Mori, a ideia é que o ICT possa ser utilizado pelas próprias empresas e empreendedores para avaliar sua capacidade tecnológica, assim como por grupos, setores ou o poder público, que pode, a partir disso, traçar políticas públicas para os setores, visando, por exemplo, identificar necessidades e propor capacitação ou outro tipo de intervenção para corrigir alguma questão deficitária de tecnologia.

Sobre o prêmio, De Mori ressalta a importância desse tipo de reconhecimento no estímulo à pesquisa no país. "Não se faz um país sem Ciência, Tecnologia e Educação. Isso é a base para o desenvolvimento de atividades econômicas e de uma nação. A valorização dessas atividades é um estímulo para todos, não só para quem recebe, em especial, porque o trabalho teve a colaboração de vários agentes e profissionais dos segmentos", comemora a pesquisadora.

As pesquisas em torno da aplicabilidade do ICT devem continuar. De Mori ressalta que já há negociações para sua utilização numa amostragem maior do segmento de produção leiteira, assim como a possibilidade de outros estudos em outros setores e por outros pesquisadores dentro do Departamento de Engenharia de Produção da UFSCar.

Cláudia De Mori também é pesquisadora da Embrapa Trigo, de Passo Fundo, RS. O prêmio da SOBER lhe foi entregue no dia 24 de julho, durante jantar de confraternização da Sociedade. Sua tese foi defendia em setembro de 2011, orientada por Mario Otávio Batalha, professor do Departamento de Engenharia de Produção da UFSCar.

07/08/2012
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11/08/2012
10:00:00
Rodrigo Botelho
Não
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