Grupo do Departamento de Sociologia da UFSCar analisa as mudanças do trabalho no capitalismo contemporâneo
Araras, Sorocaba, São Carlos
A maneira que utilizamos as redes sociais virtuais desempenha importante papel na reconfiguração do trabalho e seus impactos na vida social como um todo. O trabalho formalizado, com contratos regulares, ou mesmo aquele sem nenhuma regulação, conhecido como informal, cada vez mais utiliza as ferramentas virtuais na realização de suas atividades. Seja na busca por informações sobre emprego, ou na venda de produtos, por exemplo, essas redes propiciam maior acesso e expandem mercados. Isso é o que dizem os integrantes do Grupo de Estudos Trabalho e Mobilidades (GETM), ligado ao Departamento de Sociologia (DS) da UFSCar. "As tecnologias digitais eliminam a necessidade de local de trabalho, você pode morar em São Carlos e trabalhar para uma empresa norte-americana sediada em São Francisco, e por aí vai. Destacam-se os trabalhadores criativos, flexíveis, móveis e jovens, como típicos exemplos desse novo capitalismo. Além disso, as novas tecnologias como a microeletrônica e a telemática trazem mudanças não só nas relações de trabalho como na forma de trabalhar e na extinção ou criação de novas carreiras", diz o professor do DS Jacob Carlos Lima, coordenador do GETM.
O grupo, criado em 2005, reúne pesquisadores de diversas regiões do País, centrado na Sociologia do Trabalho e na Sociologia Econômica, em diferentes temáticas. "Nós pesquisamos o trabalho na contemporaneidade. Isso significa analisar as mudanças das últimas décadas e como isso afeta a vida social", explica Jacob.
Sobre a informalidade, Jacob conta que era vista, há algumas décadas, como um problema de países pobres, e se acreditava que com o desenvolvimento econômico e industrial a tendência era diminuir ou desaparecer, mas não foi o que aconteceu. "Aliás ocorreu o contrário, a informalidade se tornou um problema também dos países ricos com levas de imigrantes e mudanças nas relações de assalariamento a partir de 1980, com a implementação de políticas neoliberais. As políticas sociais passaram a ser vistas como um fator de aumento de custo na produção e de perda de competitividade das empresas que começam a procurar países mais baratos com trabalho pouco organizado e sem tradição industrial significativa. Como exemplos, temos a produção de confecção em Bangladesh, Honduras, Vietnã e mesmo no interior do Brasil, ou nas oficinas precárias na cidade de São Paulo que utilizam trabalhadores bolivianos".
No Brasil, na década de 1990, com a reestruturação econômica, a abertura do mercado aos produtos importados, o fechamento de fábricas, a desnacionalização de setores industriais, a privatização de empresas estatais e o aumento exponencial do desemprego, a informalidade chegou a 60% da população economicamente ativa ocupada. A partir de 2003, com o aumento da atividade econômica e de recuperação do salário mínimo, a formalização no mercado de trabalho cresceu. "Com isso, a taxa de informalização caiu para 48%, conta Felipe Rangel, estudante de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e integrante do GETM.
Felipe frisa que "uma característica do mercado atual é a de que as fronteiras entre formal e informal se misturam muito. Muitas vezes uma empresa formal utiliza de expediente informal. O negócio é formalizado, mas em algum momento da produção a empresa faz uso de um serviço ou produto informal. O mesmo entre os trabalhadores que podem ter um trabalho formal, mas que complementam com atividades informais".
Camila Esteves Oliveira é um exemplo disso. Ela é contratada, com registro na carteira de trabalho, como nutricionista em uma empresa de software que oferece refeições a seus funcionários, mas informalmente vende roupas e produtos de beleza. "Além disso, trabalho informalmente em um restaurante de fim de semana como nutricionista. Tenho um trabalho que me dá estabilidade e outros que mantenho porque gosto, me sinto mais ativa, posso aumentar minha renda e sou chefe de mim mesma. Além disso, adoro fazer cursos. Faço, pelo menos, um por mês", relata. A vida da nutricionista mostra outra característica do mercado atual, que é o da flexibilidade das relações de trabalho, de contratos, de jornadas, mobilidades espaço-temporais e disposições subjetivas atreladas a essas mudanças. "Em outras palavras, a vida pessoal se misturando com a vida profissional. A pessoa que trabalha além da jornada de trabalho", comenta Jacob.
Ele explica que esse é o resultado do ideal construído de empreendedorismo contemporâneo, no qual a lógica do mercado, hoje, é a difusão da ideia do indivíduo pró-ativo, inovador, empreendedor de si mesmo e que não espera que a empresa ou o Estado cuide dele. "Se ele está desempregado a culpa é dele mesmo. A responsabilidade de estar trabalhando é do empregado, que tem que ser responsável por mobilizar suas capacidades para ser atraente para o mercado de trabalho, como se todos tivessem a mesma oportunidade independente da sua origem de classe e/ou da sua escolaridade".
Aliada à esta característica de empreendedor está a busca pela felicidade. "Ter uma casa e trabalhar num emprego estável já foi sinônimo de felicidade décadas atrás. Hoje o que é ser feliz é buscar se realizar, ser empregável, ser atraente para o mercado de trabalho, fazendo o que gosta com independência de horário e local. Mas claro que poucos conseguem isso. Este perfil é visto como ideal a ser alcançado em algum momento, mesmo que isso nunca aconteça. Mas é um ideal vendido, uma ideologia pautada no individualismo construído pelos entes responsáveis pelo modelo econômico vigente e também por instituições como a mídia", relata Jacob.
Karina Petroni Fischer largou o emprego como tutora online de Pedagogia e de jornalista em uma produtora quando sua filha nasceu. Dois anos depois, voltou ao mercado de trabalho. "Estou dando aulas de ioga num spa e mantenho um blog e uma fanpage sobre maternidade, trabalhos informais nos quais não tenho registro em carteira, mas me dão muito prazer e contribuem para que eu possa estar ativa e também possa ajudar outras mulheres mães. Estou super feliz", comemora.
Exemplos de informalidadeEntre os jovens, as diferentes opções de trabalho (informal) mostram a diversidade de origens desse público. "Os blogueiros, youtubers, técnicos de informática, muambeiros internacionais que possuem um capital mínimo inicial trabalham de forma não regulamentada e mesmo considerada como contravenção como o contrabando formiguinha. No outro extremo, jovens que nem estudam e nem trabalham (os nem nem) são presas fáceis das chamadas atividades ilícitas ou criminais. Em periferias e morros, começam cedo a trabalhar para o tráfico, ganhando muito mais que os pais. Em um dia podem ganhar o que o pai ganha em uma semana, por exemplo. Uma atividade de risco e sem futuro, mas o trabalho como possibilidade de futuro perdeu sua sedução", conta Jacob, emendando que "antes o trabalho era percebido como forma de acesso a direitos sociais e ascensão social. Arrumar um trabalho significaria organizar a vida e o futuro, casamento, filhos, casa própria. Hoje a situação está diferente. Mesmo o jovem que sai da universidade, sem dúvida em situação melhor, termina pegando empregos virtuais, temporários, que os fazem adiar projetos de futuro", diz Jacob.
Quanto às características dos informais, ele comenta que varia entre ambulantes diversos, empregadas domésticas e todos aqueles que trabalhavam sem contrato algum. "Atualmente, vemos que os informais são os desempregados resultantes das reestruturações, antigos operários que perderam funções, funcionários públicos privatizados que tentaram abrir negócios próprios, os velhos e novos ambulantes, muambeiros que compram mercadorias no exterior e revendem por aqui, trabalhadores altamente qualificados que não se registram como autônomos, pessoal de design, software, consultores, trabalhadores de oficinas de costura e calçados sem registro, diaristas, trabalhadores-empresários em polos de confecção e calçados distribuídos pelo país. Enfim, todos aqueles que não possuem qualquer formalização em suas atividades. E não podemos deixar de lembrar que temos também a hibridização entre a formalidade e a informalidade", destaca Jacob.
No mar de empreendimentos informais (estima-se que 48% dos empreendimentos no Brasil são informais) a previsão é que 10 a 15% sobrevivam. O negócio da Louise Ianoni é um destes. Ela pediu demissão do emprego com carteira assinada porque queria se dedicar ao processo para engravidar. Quando seu filho tinha seis meses, ela resolveu empreender, já que ele era muito pequeno e ela queria ter uma carga horária mais flexível. "Criei um negócio para vender produtos infantis pelo Facebook. Um trabalho que adoro, pois envolve o universo de mães e bebês, no qual estou no momento. O negócio está indo tão bem que há um mês resolvi formalizá-lo".
E agora, compensa empreender ou deve-se manter o emprego com carteira assinada? Jacob explica que falar em empreender é uma tendência. "Se você for analisar, as pessoas ainda querem manter o emprego com a carteira assinada. Observe a concorrência pelo emprego público, que além da estabilidade traz também uma série de benefícios que na empresa privada não existe. Você tem uma contradição, pois efetivamente as pessoas querem a estabilidade, mas por outro lado também querem estar em empregos dos sonhos, tendo a felicidade acima de tudo e, para tanto, empreender parece ser o caminho. Mas vale lembrar que mesmo o emprego dos sonhos tem situações desagradáveis e que poucos empreendimentos sobrevivem", finaliza Jacob.
O grupo, criado em 2005, reúne pesquisadores de diversas regiões do País, centrado na Sociologia do Trabalho e na Sociologia Econômica, em diferentes temáticas. "Nós pesquisamos o trabalho na contemporaneidade. Isso significa analisar as mudanças das últimas décadas e como isso afeta a vida social", explica Jacob.
Sobre a informalidade, Jacob conta que era vista, há algumas décadas, como um problema de países pobres, e se acreditava que com o desenvolvimento econômico e industrial a tendência era diminuir ou desaparecer, mas não foi o que aconteceu. "Aliás ocorreu o contrário, a informalidade se tornou um problema também dos países ricos com levas de imigrantes e mudanças nas relações de assalariamento a partir de 1980, com a implementação de políticas neoliberais. As políticas sociais passaram a ser vistas como um fator de aumento de custo na produção e de perda de competitividade das empresas que começam a procurar países mais baratos com trabalho pouco organizado e sem tradição industrial significativa. Como exemplos, temos a produção de confecção em Bangladesh, Honduras, Vietnã e mesmo no interior do Brasil, ou nas oficinas precárias na cidade de São Paulo que utilizam trabalhadores bolivianos".
No Brasil, na década de 1990, com a reestruturação econômica, a abertura do mercado aos produtos importados, o fechamento de fábricas, a desnacionalização de setores industriais, a privatização de empresas estatais e o aumento exponencial do desemprego, a informalidade chegou a 60% da população economicamente ativa ocupada. A partir de 2003, com o aumento da atividade econômica e de recuperação do salário mínimo, a formalização no mercado de trabalho cresceu. "Com isso, a taxa de informalização caiu para 48%, conta Felipe Rangel, estudante de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e integrante do GETM.
Felipe frisa que "uma característica do mercado atual é a de que as fronteiras entre formal e informal se misturam muito. Muitas vezes uma empresa formal utiliza de expediente informal. O negócio é formalizado, mas em algum momento da produção a empresa faz uso de um serviço ou produto informal. O mesmo entre os trabalhadores que podem ter um trabalho formal, mas que complementam com atividades informais".
Camila Esteves Oliveira é um exemplo disso. Ela é contratada, com registro na carteira de trabalho, como nutricionista em uma empresa de software que oferece refeições a seus funcionários, mas informalmente vende roupas e produtos de beleza. "Além disso, trabalho informalmente em um restaurante de fim de semana como nutricionista. Tenho um trabalho que me dá estabilidade e outros que mantenho porque gosto, me sinto mais ativa, posso aumentar minha renda e sou chefe de mim mesma. Além disso, adoro fazer cursos. Faço, pelo menos, um por mês", relata. A vida da nutricionista mostra outra característica do mercado atual, que é o da flexibilidade das relações de trabalho, de contratos, de jornadas, mobilidades espaço-temporais e disposições subjetivas atreladas a essas mudanças. "Em outras palavras, a vida pessoal se misturando com a vida profissional. A pessoa que trabalha além da jornada de trabalho", comenta Jacob.
Ele explica que esse é o resultado do ideal construído de empreendedorismo contemporâneo, no qual a lógica do mercado, hoje, é a difusão da ideia do indivíduo pró-ativo, inovador, empreendedor de si mesmo e que não espera que a empresa ou o Estado cuide dele. "Se ele está desempregado a culpa é dele mesmo. A responsabilidade de estar trabalhando é do empregado, que tem que ser responsável por mobilizar suas capacidades para ser atraente para o mercado de trabalho, como se todos tivessem a mesma oportunidade independente da sua origem de classe e/ou da sua escolaridade".
Aliada à esta característica de empreendedor está a busca pela felicidade. "Ter uma casa e trabalhar num emprego estável já foi sinônimo de felicidade décadas atrás. Hoje o que é ser feliz é buscar se realizar, ser empregável, ser atraente para o mercado de trabalho, fazendo o que gosta com independência de horário e local. Mas claro que poucos conseguem isso. Este perfil é visto como ideal a ser alcançado em algum momento, mesmo que isso nunca aconteça. Mas é um ideal vendido, uma ideologia pautada no individualismo construído pelos entes responsáveis pelo modelo econômico vigente e também por instituições como a mídia", relata Jacob.
Karina Petroni Fischer largou o emprego como tutora online de Pedagogia e de jornalista em uma produtora quando sua filha nasceu. Dois anos depois, voltou ao mercado de trabalho. "Estou dando aulas de ioga num spa e mantenho um blog e uma fanpage sobre maternidade, trabalhos informais nos quais não tenho registro em carteira, mas me dão muito prazer e contribuem para que eu possa estar ativa e também possa ajudar outras mulheres mães. Estou super feliz", comemora.
Exemplos de informalidadeEntre os jovens, as diferentes opções de trabalho (informal) mostram a diversidade de origens desse público. "Os blogueiros, youtubers, técnicos de informática, muambeiros internacionais que possuem um capital mínimo inicial trabalham de forma não regulamentada e mesmo considerada como contravenção como o contrabando formiguinha. No outro extremo, jovens que nem estudam e nem trabalham (os nem nem) são presas fáceis das chamadas atividades ilícitas ou criminais. Em periferias e morros, começam cedo a trabalhar para o tráfico, ganhando muito mais que os pais. Em um dia podem ganhar o que o pai ganha em uma semana, por exemplo. Uma atividade de risco e sem futuro, mas o trabalho como possibilidade de futuro perdeu sua sedução", conta Jacob, emendando que "antes o trabalho era percebido como forma de acesso a direitos sociais e ascensão social. Arrumar um trabalho significaria organizar a vida e o futuro, casamento, filhos, casa própria. Hoje a situação está diferente. Mesmo o jovem que sai da universidade, sem dúvida em situação melhor, termina pegando empregos virtuais, temporários, que os fazem adiar projetos de futuro", diz Jacob.
Quanto às características dos informais, ele comenta que varia entre ambulantes diversos, empregadas domésticas e todos aqueles que trabalhavam sem contrato algum. "Atualmente, vemos que os informais são os desempregados resultantes das reestruturações, antigos operários que perderam funções, funcionários públicos privatizados que tentaram abrir negócios próprios, os velhos e novos ambulantes, muambeiros que compram mercadorias no exterior e revendem por aqui, trabalhadores altamente qualificados que não se registram como autônomos, pessoal de design, software, consultores, trabalhadores de oficinas de costura e calçados sem registro, diaristas, trabalhadores-empresários em polos de confecção e calçados distribuídos pelo país. Enfim, todos aqueles que não possuem qualquer formalização em suas atividades. E não podemos deixar de lembrar que temos também a hibridização entre a formalidade e a informalidade", destaca Jacob.
No mar de empreendimentos informais (estima-se que 48% dos empreendimentos no Brasil são informais) a previsão é que 10 a 15% sobrevivam. O negócio da Louise Ianoni é um destes. Ela pediu demissão do emprego com carteira assinada porque queria se dedicar ao processo para engravidar. Quando seu filho tinha seis meses, ela resolveu empreender, já que ele era muito pequeno e ela queria ter uma carga horária mais flexível. "Criei um negócio para vender produtos infantis pelo Facebook. Um trabalho que adoro, pois envolve o universo de mães e bebês, no qual estou no momento. O negócio está indo tão bem que há um mês resolvi formalizá-lo".
E agora, compensa empreender ou deve-se manter o emprego com carteira assinada? Jacob explica que falar em empreender é uma tendência. "Se você for analisar, as pessoas ainda querem manter o emprego com a carteira assinada. Observe a concorrência pelo emprego público, que além da estabilidade traz também uma série de benefícios que na empresa privada não existe. Você tem uma contradição, pois efetivamente as pessoas querem a estabilidade, mas por outro lado também querem estar em empregos dos sonhos, tendo a felicidade acima de tudo e, para tanto, empreender parece ser o caminho. Mas vale lembrar que mesmo o emprego dos sonhos tem situações desagradáveis e que poucos empreendimentos sobrevivem", finaliza Jacob.
14/03/2016
10:53:00
21/03/2016
0:01:00
Mariana Ignatios
Sim
Não
Estudante, Docente/TA, Pesquisador, Visitante
Prof. Jacob Carlos Lima, coordenadora do GETM da UFSCar. Foto: Enzo Kuratomi
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