Agressividade é uma das marcas dos discursos políticos que circulam hoje na internet, afirma pesquisa da UFSCar
Araras, Sorocaba, São Carlos
Diante das constantes notícias acerca do cenário político brasileiro, a internet acaba sendo um importante espaço para circulação de textos e imagens, de várias fontes e opiniões. A fim de compreender melhor esses discursos políticos, a UFSCar conta com o Laboratório de Estudos do Discurso (LABOR), que discute questões relacionadas ao campo teórico da Análise do Discurso (AD).
A teoria da Análise do Discurso responde à uma tradição francesa de estudos da interpretação. Focaliza as formas de constituição, formulação e distribuição dos discursos na sociedade. Para isso, considera que a interpretação não busca o que está nas subjacências ou entrelinhas, mas o que está efetivamente dito no texto, observando o papel de cada elemento nessa estrutura, explica a docente Vanice Sargentini, que coordena o LABOR junto ao professor Carlos Piovezani. Ambos são docentes do Departamento de Letras (DL) da UFSCar.
Para a coordenadora do LABOR, a agressividade é uma das marcas dos discursos que circulam hoje na mídia. Como todo o funcionamento que temos hoje é ainda o de campanha, os insultos proliferam, afirma Vanice. Por isso, para a pesquisadora, é preciso muito cuidado e ponderação na forma como todos devem ler e interpretar as notícias que chegam pelo Facebook, Twitter, WhatsApp e também dos veículos mais tradicionais, como jornais e TV. A intolerância que se exibe nos discursos deixa ver suas raízes, que em geral refletem a nossa história de desigualdade social, estando nisso envolvidas as relações de poder.
Para Vanice, até mesmo a cordialidade da fala está envolvida nessas relações. Ela cita um conjunto de falas para ilustrar o caso de cordialidade que disfarça um tom autoritário do discurso: Quando nas manifestações da Avenida Paulista as pessoas interrogadas dizem, por exemplo, 'Se Dilma sair, o Temer não vai ser melhor, e pode até mesmo ser pior. Mas algo tem que acontecer no país. O PT democratizou a corrupção.' Ou 'Sou contra o impeachment porque acho que a Dilma foi eleita democraticamente pelo povo, mas ela não tem condição de governabilidade. Ela até pode ficar para a história, mas espero que tenha a humildade de renunciar.' O que essas pessoas dizem é que querem a saída da presidenta, e fazem isso por uma estrutura frasal que nega o interesse da saída para depois acrescentar uma oração adversativa que introduzirá o argumento de maior valor, exemplifica.
De acordo com a pesquisadora, a agressividade do discurso pode insultar, mesmo não sendo construída com palavrões. Foi o que aconteceu, segundo Vanice, com a Revista IstoÉ (edição 2417, do dia 6 de abril), que publicou uma capa expondo a suposta histeria da presidenta. O texto que acompanha a imagem diz: Em surto de descontrole com a iminência do seu afastamento (...), já considerando, pelo emprego da nominalização, como fato concluído a sua saída do cargo. Sendo assim, mesmo onde não há a expressão de xingamentos, pode haver forte insulto.
Além disso, o insulto é em geral estigmatizante, completa. Por exemplo, quando a representação do Lula é feita por um boneco inflável, com vestimenta de presidiário, isso reforça o estigma negativo atribuído ao presidiário, que a princípio, por um discurso social, deveria ser aquela pessoa que está retida para aprender a se reintegrar na sociedade e não para ser punida com sofrimento.
Espetacularização da política
Esses discursos são amplamente disseminados pelas redes sociais, que fazem parte do aparato midiático, e contribuem para a construção de uma política como espetáculo. A política-espetáculo, exibida inicialmente nas televisões e atualmente nas redes sociais, exige uma conversão da 'língua de madeira' discursos longos e repetitivos, e de difícil deslocamento, cuja distribuição se dava na fala de palanque, nos encontros de partidos, nas longas argumentações políticas marcadas pela defesa de uma dada posição ideológica e por meio de um discurso autoritário, define Vanice. Instala-se, então, uma língua de vento, ou seja, uma nova política da fala, caracterizada por formas breves, pequenas frases sloganizadas, na qual se valoriza a astúcia verbal e não a estratégia política.
O político-espetáculo teve que modificar a sua gestualidade, suavizar a voz, cuidar minuciosamente da expressão facial para responder às exigências da mídia. Por isso, falamos em uma midiatização da política, voltada mais a seduzir as massas do que a convencê-las a aderir a uma forma de pensar, completa a pesquisadora.
No entanto, Vanice pondera que recursos tecnológicos - que incluem as redes sociais - não são a razão exclusiva de uma transformação profunda que se passa no discurso político. Sem dúvida, os recursos tecnológicos hoje são inovadores e capazes de ampliar enormemente essa distribuição, mas essa estratégia não nasce com o Facebook, destaca a professora, que lembra um estudo realizado pelo historiador Robert Darnton sobre um episódio em 1749, em que a circulação de poemas e melodias desencadeou uma sequência de prisões, evidenciando uma forte rede social já existente nessa época.
Além disso, essa circulação de textos não é aleatória, mas sua ampla disseminação tem uma importante função. Vanice cita o fundador da AD, Michel Pêcheux, afirmando que os textos muitas vezes apresentam-se sem uma proveniência, sem um mestre aparente para usar suas palavras. A alta circulação dos textos produz o efeito de homogeneidade do dizer. Assim, não é sem razão que se briga tanto pelo espaço de dizer; afinal o importante é que haja a circulação, conclui a pesquisadora.
Análise do Discurso na UFSCar
Discutir teórica e analiticamente questões relacionadas ao campo teórico da Análise do Discurso é o objetivo do LABOR, que congrega pesquisadores da UFSCar, alunos de pós-graduação em Linguística e da graduação em Letras e em Linguística da Universidade.
Entre o conjunto das investigações, o LABOR considera as construções de processos históricos discursivos operados em discursos sobre a resistência política e sobre os textos midiáticos divulgados na mídia, todos eles, caracterizando-se como espaços de encontro da língua com a história, no qual as identidades são produzidas. Outro eixo de estudos do Grupo consiste na investigação das transformações no discurso político, considerando a intervenção das novas tecnologias nos programas de governo, nas propagandas políticas eleitorais e nos discursos de posse.
A teoria da Análise do Discurso responde à uma tradição francesa de estudos da interpretação. Focaliza as formas de constituição, formulação e distribuição dos discursos na sociedade. Para isso, considera que a interpretação não busca o que está nas subjacências ou entrelinhas, mas o que está efetivamente dito no texto, observando o papel de cada elemento nessa estrutura, explica a docente Vanice Sargentini, que coordena o LABOR junto ao professor Carlos Piovezani. Ambos são docentes do Departamento de Letras (DL) da UFSCar.
Para a coordenadora do LABOR, a agressividade é uma das marcas dos discursos que circulam hoje na mídia. Como todo o funcionamento que temos hoje é ainda o de campanha, os insultos proliferam, afirma Vanice. Por isso, para a pesquisadora, é preciso muito cuidado e ponderação na forma como todos devem ler e interpretar as notícias que chegam pelo Facebook, Twitter, WhatsApp e também dos veículos mais tradicionais, como jornais e TV. A intolerância que se exibe nos discursos deixa ver suas raízes, que em geral refletem a nossa história de desigualdade social, estando nisso envolvidas as relações de poder.
Para Vanice, até mesmo a cordialidade da fala está envolvida nessas relações. Ela cita um conjunto de falas para ilustrar o caso de cordialidade que disfarça um tom autoritário do discurso: Quando nas manifestações da Avenida Paulista as pessoas interrogadas dizem, por exemplo, 'Se Dilma sair, o Temer não vai ser melhor, e pode até mesmo ser pior. Mas algo tem que acontecer no país. O PT democratizou a corrupção.' Ou 'Sou contra o impeachment porque acho que a Dilma foi eleita democraticamente pelo povo, mas ela não tem condição de governabilidade. Ela até pode ficar para a história, mas espero que tenha a humildade de renunciar.' O que essas pessoas dizem é que querem a saída da presidenta, e fazem isso por uma estrutura frasal que nega o interesse da saída para depois acrescentar uma oração adversativa que introduzirá o argumento de maior valor, exemplifica.
De acordo com a pesquisadora, a agressividade do discurso pode insultar, mesmo não sendo construída com palavrões. Foi o que aconteceu, segundo Vanice, com a Revista IstoÉ (edição 2417, do dia 6 de abril), que publicou uma capa expondo a suposta histeria da presidenta. O texto que acompanha a imagem diz: Em surto de descontrole com a iminência do seu afastamento (...), já considerando, pelo emprego da nominalização, como fato concluído a sua saída do cargo. Sendo assim, mesmo onde não há a expressão de xingamentos, pode haver forte insulto.
Além disso, o insulto é em geral estigmatizante, completa. Por exemplo, quando a representação do Lula é feita por um boneco inflável, com vestimenta de presidiário, isso reforça o estigma negativo atribuído ao presidiário, que a princípio, por um discurso social, deveria ser aquela pessoa que está retida para aprender a se reintegrar na sociedade e não para ser punida com sofrimento.
Espetacularização da política
Esses discursos são amplamente disseminados pelas redes sociais, que fazem parte do aparato midiático, e contribuem para a construção de uma política como espetáculo. A política-espetáculo, exibida inicialmente nas televisões e atualmente nas redes sociais, exige uma conversão da 'língua de madeira' discursos longos e repetitivos, e de difícil deslocamento, cuja distribuição se dava na fala de palanque, nos encontros de partidos, nas longas argumentações políticas marcadas pela defesa de uma dada posição ideológica e por meio de um discurso autoritário, define Vanice. Instala-se, então, uma língua de vento, ou seja, uma nova política da fala, caracterizada por formas breves, pequenas frases sloganizadas, na qual se valoriza a astúcia verbal e não a estratégia política.
O político-espetáculo teve que modificar a sua gestualidade, suavizar a voz, cuidar minuciosamente da expressão facial para responder às exigências da mídia. Por isso, falamos em uma midiatização da política, voltada mais a seduzir as massas do que a convencê-las a aderir a uma forma de pensar, completa a pesquisadora.
No entanto, Vanice pondera que recursos tecnológicos - que incluem as redes sociais - não são a razão exclusiva de uma transformação profunda que se passa no discurso político. Sem dúvida, os recursos tecnológicos hoje são inovadores e capazes de ampliar enormemente essa distribuição, mas essa estratégia não nasce com o Facebook, destaca a professora, que lembra um estudo realizado pelo historiador Robert Darnton sobre um episódio em 1749, em que a circulação de poemas e melodias desencadeou uma sequência de prisões, evidenciando uma forte rede social já existente nessa época.
Além disso, essa circulação de textos não é aleatória, mas sua ampla disseminação tem uma importante função. Vanice cita o fundador da AD, Michel Pêcheux, afirmando que os textos muitas vezes apresentam-se sem uma proveniência, sem um mestre aparente para usar suas palavras. A alta circulação dos textos produz o efeito de homogeneidade do dizer. Assim, não é sem razão que se briga tanto pelo espaço de dizer; afinal o importante é que haja a circulação, conclui a pesquisadora.
Análise do Discurso na UFSCar
Discutir teórica e analiticamente questões relacionadas ao campo teórico da Análise do Discurso é o objetivo do LABOR, que congrega pesquisadores da UFSCar, alunos de pós-graduação em Linguística e da graduação em Letras e em Linguística da Universidade.
Entre o conjunto das investigações, o LABOR considera as construções de processos históricos discursivos operados em discursos sobre a resistência política e sobre os textos midiáticos divulgados na mídia, todos eles, caracterizando-se como espaços de encontro da língua com a história, no qual as identidades são produzidas. Outro eixo de estudos do Grupo consiste na investigação das transformações no discurso político, considerando a intervenção das novas tecnologias nos programas de governo, nas propagandas políticas eleitorais e nos discursos de posse.
18/04/2016
13:00:00
25/04/2016
0:01:00
Denise Britto
Sim
Não
Estudante, Docente/TA, Pesquisador, Visitante
Professora Vanice Sargentini coordena pesquisas sobre discurso político. Foto: Matheus Mazini
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