Interação entre intérprete educacional e adolescentes surdos é tema de pesquisa de professora da UFSCar
Araras, Sorocaba, São Carlos
Estudar a qualidade da relação entre intérprete educacional e alunos surdos no Ensino Fundamental II (6° a 9° ano) de uma escola polo bilíngue (Libras/Português) de São Carlos é a proposta de pesquisa de Vanessa Regina de Oliveira Martins, docente do Departamento de Psicologia e professora do curso de Bacharelado em Tradução e Interpretação Libras/ Língua Portuguesa da UFSCar. "Meu objetivo é problematizar os reflexos referentes à trajetória de formação de um grupo de alunos surdos analisando se há diferenças na qualidade da interação com intérpretes educacionais e na aquisição de conteúdos entre eles, relacionados ao contato ou não com a língua de sinais nos anos anteriores. Além disso, pensar qual formação o tradutor intérprete precisa ter para atuar na escola, as questões e os desafios de atuar em salas inclusivas e a necessidade de adequação do espaço escolar", explica Vanessa.
Ela conta que a educação de pessoas surdas tem sido alvo de muitas discussões e constantes embates teóricos sobre o seu fazer. "Diante da tensão para a revisão da política nacional de educação inclusiva rumo à criação de programas de educação bilíngue para surdos, conquista legal obtida pelo Decreto 5.626/05, torna-se urgente repensar uma nova organização escolar", relata.
Atualmente, a educação de surdos tem sido apoiada por meio da atuação de Tradutores e Intérpretes de Língua de Sinais Educacional (TILSE). No entanto, a docente complementa que "há uma precariedade no que se refere à formação sistematizada e inicial destes profissionais". Vanessa explica que esta precariedade se configura na contratação de profissionais que, em alguns casos, não têm formação específica para o cargo, já que são poucos os cursos que formam tradutores e intérpretes em Libras/Língua Portuguesa no Brasil. Outro problema encontrado em algumas cidades é o fato destes profissionais não terem cargo efetivo, ocasionando a troca constante de intérpretes, o que não ajuda a estabelecer uma relação afetiva entre eles. A professora alerta que o fato de ter intérpretes nas escolas não garante a real inclusão. "Os esforços estão voltados apenas na contratação de intérpretes em escolas espalhadas, ao invés de investir energia em estruturar as escolas polos. Desse modo, temos a falsa ideia de que incluir, a qualquer custo, a criança surda na sala regular, principalmente da educação infantil e do Ensino Fundamental I, sem saber se ela detém e tem prática com a língua de sinais, por exemplo, é uma falsa ideia de inclusão".
Com a pesquisa ela observa que a dinâmica tradutória em contexto escolar é diferente de outras esferas. Pouco se observa o uso da interpretação simultânea, que é quando o intérprete traduz ao mesmo tempo o que está sendo falado. "Quando o conteúdo vai se tornando numa dinâmica de explicação, o intérprete acaba fazendo outras inferências de conhecimento, o aluno surdo interrompe o intérprete e, muitas vezes, este não vê possibilidade de interromper o professor e vai criando um modo de aprendizagem na relação com o aluno. É incrível, parece que há duas salas de aula no mesmo espaço", comenta.
Apesar do movimento ativista para a regulamentação da profissão do intérprete nas escolas e das leis criadas para isso, Vanessa diz que há necessidade de revisão do espaço escolar; da demanda de novas estratégias de acessibilidade discursiva, estrutural e atitudinal, para atender as especificidades de alunos surdos; e pelas discussões sobre a inclusão da pessoa surda, tendo em vista a história de insucesso escolar destes alunos na escola regular.
A docente esclarece que a transformação de uma escola regular em escola bilíngue vai além da simples contratação de intérpretes e da inclusão dos alunos em salas regulares. Demanda reflexões da própria atuação do profissional intérprete e de sua parceria com os docentes das diversas áreas, dentre outras exigências para uma boa formação dos alunos surdos. "Por isso, a proposta desta pesquisa é acompanhar a atuação de intérpretes educacionais no Ensino Fundamental II da Escola Municipal Dalila Galli, localizada em São Carlos (SP), bem como analisar estratégias tradutórias e pedagógicas que facilitem o acesso ao conhecimento de alunos surdos, ampliando as possibilidades de construção de uma política educacional bilíngue, observando o quanto a aprendizagem da Libras nos anos iniciais favorece a construção de novos conhecimentos escolares." Para tanto, ela tem entrevistado e acompanhado os desafios vividos pelos intérpretes que atuam na escola Dalila Galli, sabendo que os alunos surdos tem níveis distintos de conhecimento e aprendizado. Esse acompanhamento é realizado por uma pesquisa qualitativa de cunho teórico, composta por observação das aulas e entrevistas dos professores e demais agentes responsáveis pelo ensino na escola, além de filmagens das cenas escolares.
Panorama atual
Sobre o panorama atual das escolas que têm crianças surdas, Vanessa conta que há uma ideia de que inclusão é feita quando os surdos estão inseridos em salas com ouvintes e, para que isto aconteça, se coloca a presença do intérprete de língua de sinais para trabalhar com a formação dessas crianças com diferentes trajetórias de ensino na mesma sala. "Para a educação de surdos isso tem sido um problema, pois as crianças surdas têm entrado na escola sem um conhecimento prévio da língua de sinais, sem esta constituição linguística que é necessária para se aprender o conteúdo. Então, colocar um intérprete nos anos iniciais e no Ensino Fundamental I, na fase de alfabetização, não é eficaz, como têm demonstrado diversas pesquisas", alerta a docente.
Michele Toso, coordenadora do Programa Educacional e Inclusivo Bilíngue para Surdos da Secretaria Municipal de Educação nas duas escolas polos de São Carlos, EMEB Dalila Galli e a CEMEI Ida Vinceguerra, conta os principais desafios no ensino de crianças surdas. Ela diz que, primeiramente, os estudantes chegam tarde na escola polo, por falta de desconhecimento ou preconceito das famílias com a língua de sinais, que acreditam atrapalhar o processo de oralidade de seus filhos. Em segundo lugar, a falta de formação continuada e permanente dos profissionais que trabalham diretamente com os alunos, que são os intérpretes, professores e instrutores de Libras. Há pouca formação na área e, por isso, a importância de capacitação em serviço para os profissionais que já estão atuando. A UFSCar tem ajudado muito a gente com isso, ressalta Toso.
Além disso, Michele aponta um terceiro desafio, é preciso formar o resto da comunidade escolar sobre os aspectos culturais e o entendimento mesmo da surdez. A criança surda precisa ser inserida na escola como um todo e não somente na sala de aula. As crianças, professores e demais profissionais precisam conhecer melhor o universo dos alunos surdos para que possamos alcançar um processo de inclusão bilíngue cada vez mais efetivo, comenta Michele.
A proposta da pesquisadora da UFSCar para um aprendizado mais harmônico e eficiente não foca somente em trazer o aluno surdo para a escola, mas, de fato, proporcionar aprendizagens na língua de sinais em condições similares aos alunos não surdos. Por isso, ela defende que as escolas polos tenham salas específicas chamadas salas de instrução em Libras, voltadas aos alunos surdos nos anos iniciais, tendo a Libras como língua de produção de conhecimento, que tenha todo um aparato e que a alfabetização seja feita com foco nas particularidades da criança surda. "Nestas salas com instrução em Libras, as crianças surdas têm condições melhores de se prepararem, de aprenderem a língua de sinais e terem vivência e práticas com esta língua de modo mais natural. Nossa aposta é que feito isso, quando forem para o Ensino Fundamental II, terão mais facilidade para acompanhar o ensino com os intérpretes nas salas de ouvintes, participando do processo escolar em igual condição ao outros alunos", salienta.
A pesquisa foi ampliada, pois Vanessa sentiu a necessidade de oferecer cursos de capacitação à equipe da escola. Ela também tem trazido os dados da pesquisa para a sala de aula do curso de Bacharelado em Tradução e Interpretação Libras/Língua Portuguesa da UFSCar, para que os graduandos entendam como o trabalho funciona na prática. A pesquisa termina em outubro de 2017, mas Vanessa quer manter a relação de cooperação com a escola e, para um novo formato, trazer os alunos da UFSCar para a escola para que conheçam o funcionamento do polo bilíngue. "Os graduandos e a escola polo só têm a ganhar com o contato e a intenção é fazer isso no o próximo ano", finaliza.
Ela conta que a educação de pessoas surdas tem sido alvo de muitas discussões e constantes embates teóricos sobre o seu fazer. "Diante da tensão para a revisão da política nacional de educação inclusiva rumo à criação de programas de educação bilíngue para surdos, conquista legal obtida pelo Decreto 5.626/05, torna-se urgente repensar uma nova organização escolar", relata.
Atualmente, a educação de surdos tem sido apoiada por meio da atuação de Tradutores e Intérpretes de Língua de Sinais Educacional (TILSE). No entanto, a docente complementa que "há uma precariedade no que se refere à formação sistematizada e inicial destes profissionais". Vanessa explica que esta precariedade se configura na contratação de profissionais que, em alguns casos, não têm formação específica para o cargo, já que são poucos os cursos que formam tradutores e intérpretes em Libras/Língua Portuguesa no Brasil. Outro problema encontrado em algumas cidades é o fato destes profissionais não terem cargo efetivo, ocasionando a troca constante de intérpretes, o que não ajuda a estabelecer uma relação afetiva entre eles. A professora alerta que o fato de ter intérpretes nas escolas não garante a real inclusão. "Os esforços estão voltados apenas na contratação de intérpretes em escolas espalhadas, ao invés de investir energia em estruturar as escolas polos. Desse modo, temos a falsa ideia de que incluir, a qualquer custo, a criança surda na sala regular, principalmente da educação infantil e do Ensino Fundamental I, sem saber se ela detém e tem prática com a língua de sinais, por exemplo, é uma falsa ideia de inclusão".
Com a pesquisa ela observa que a dinâmica tradutória em contexto escolar é diferente de outras esferas. Pouco se observa o uso da interpretação simultânea, que é quando o intérprete traduz ao mesmo tempo o que está sendo falado. "Quando o conteúdo vai se tornando numa dinâmica de explicação, o intérprete acaba fazendo outras inferências de conhecimento, o aluno surdo interrompe o intérprete e, muitas vezes, este não vê possibilidade de interromper o professor e vai criando um modo de aprendizagem na relação com o aluno. É incrível, parece que há duas salas de aula no mesmo espaço", comenta.
Apesar do movimento ativista para a regulamentação da profissão do intérprete nas escolas e das leis criadas para isso, Vanessa diz que há necessidade de revisão do espaço escolar; da demanda de novas estratégias de acessibilidade discursiva, estrutural e atitudinal, para atender as especificidades de alunos surdos; e pelas discussões sobre a inclusão da pessoa surda, tendo em vista a história de insucesso escolar destes alunos na escola regular.
A docente esclarece que a transformação de uma escola regular em escola bilíngue vai além da simples contratação de intérpretes e da inclusão dos alunos em salas regulares. Demanda reflexões da própria atuação do profissional intérprete e de sua parceria com os docentes das diversas áreas, dentre outras exigências para uma boa formação dos alunos surdos. "Por isso, a proposta desta pesquisa é acompanhar a atuação de intérpretes educacionais no Ensino Fundamental II da Escola Municipal Dalila Galli, localizada em São Carlos (SP), bem como analisar estratégias tradutórias e pedagógicas que facilitem o acesso ao conhecimento de alunos surdos, ampliando as possibilidades de construção de uma política educacional bilíngue, observando o quanto a aprendizagem da Libras nos anos iniciais favorece a construção de novos conhecimentos escolares." Para tanto, ela tem entrevistado e acompanhado os desafios vividos pelos intérpretes que atuam na escola Dalila Galli, sabendo que os alunos surdos tem níveis distintos de conhecimento e aprendizado. Esse acompanhamento é realizado por uma pesquisa qualitativa de cunho teórico, composta por observação das aulas e entrevistas dos professores e demais agentes responsáveis pelo ensino na escola, além de filmagens das cenas escolares.
Panorama atual
Sobre o panorama atual das escolas que têm crianças surdas, Vanessa conta que há uma ideia de que inclusão é feita quando os surdos estão inseridos em salas com ouvintes e, para que isto aconteça, se coloca a presença do intérprete de língua de sinais para trabalhar com a formação dessas crianças com diferentes trajetórias de ensino na mesma sala. "Para a educação de surdos isso tem sido um problema, pois as crianças surdas têm entrado na escola sem um conhecimento prévio da língua de sinais, sem esta constituição linguística que é necessária para se aprender o conteúdo. Então, colocar um intérprete nos anos iniciais e no Ensino Fundamental I, na fase de alfabetização, não é eficaz, como têm demonstrado diversas pesquisas", alerta a docente.
Michele Toso, coordenadora do Programa Educacional e Inclusivo Bilíngue para Surdos da Secretaria Municipal de Educação nas duas escolas polos de São Carlos, EMEB Dalila Galli e a CEMEI Ida Vinceguerra, conta os principais desafios no ensino de crianças surdas. Ela diz que, primeiramente, os estudantes chegam tarde na escola polo, por falta de desconhecimento ou preconceito das famílias com a língua de sinais, que acreditam atrapalhar o processo de oralidade de seus filhos. Em segundo lugar, a falta de formação continuada e permanente dos profissionais que trabalham diretamente com os alunos, que são os intérpretes, professores e instrutores de Libras. Há pouca formação na área e, por isso, a importância de capacitação em serviço para os profissionais que já estão atuando. A UFSCar tem ajudado muito a gente com isso, ressalta Toso.
Além disso, Michele aponta um terceiro desafio, é preciso formar o resto da comunidade escolar sobre os aspectos culturais e o entendimento mesmo da surdez. A criança surda precisa ser inserida na escola como um todo e não somente na sala de aula. As crianças, professores e demais profissionais precisam conhecer melhor o universo dos alunos surdos para que possamos alcançar um processo de inclusão bilíngue cada vez mais efetivo, comenta Michele.
A proposta da pesquisadora da UFSCar para um aprendizado mais harmônico e eficiente não foca somente em trazer o aluno surdo para a escola, mas, de fato, proporcionar aprendizagens na língua de sinais em condições similares aos alunos não surdos. Por isso, ela defende que as escolas polos tenham salas específicas chamadas salas de instrução em Libras, voltadas aos alunos surdos nos anos iniciais, tendo a Libras como língua de produção de conhecimento, que tenha todo um aparato e que a alfabetização seja feita com foco nas particularidades da criança surda. "Nestas salas com instrução em Libras, as crianças surdas têm condições melhores de se prepararem, de aprenderem a língua de sinais e terem vivência e práticas com esta língua de modo mais natural. Nossa aposta é que feito isso, quando forem para o Ensino Fundamental II, terão mais facilidade para acompanhar o ensino com os intérpretes nas salas de ouvintes, participando do processo escolar em igual condição ao outros alunos", salienta.
A pesquisa foi ampliada, pois Vanessa sentiu a necessidade de oferecer cursos de capacitação à equipe da escola. Ela também tem trazido os dados da pesquisa para a sala de aula do curso de Bacharelado em Tradução e Interpretação Libras/Língua Portuguesa da UFSCar, para que os graduandos entendam como o trabalho funciona na prática. A pesquisa termina em outubro de 2017, mas Vanessa quer manter a relação de cooperação com a escola e, para um novo formato, trazer os alunos da UFSCar para a escola para que conheçam o funcionamento do polo bilíngue. "Os graduandos e a escola polo só têm a ganhar com o contato e a intenção é fazer isso no o próximo ano", finaliza.
05/09/2016
9:20:00
12/09/2016
0:01:00
Mariana Ignatios
Sim
Não
Estudante, Docente/TA, Pesquisador, Visitante
Vanessa Regina de Oliveira Martins é docente do Departamento de Psicologia (Foto Letícia Longo)
8864