Pesquisas no DEMa ampliam a utilização do vidro

Lagoa do Sino
A história conta que o vidro foi inventado onde atualmente é o Oriente Médio, no ano de 4000 a.C. Por muito tempo, foi matéria prima para ornamentos, decorou prédios históricos e acompanhou a evolução da sociedade, servindo desde utensílios domésticos até equipamentos óticos de grande precisão. Hoje, as possibilidades de utilização de materiais vítreos são infinitas. O Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa) da UFSCar desenvolve produtos que podem ser utilizados tanto para proteção balística em coletes e janelas de veículos blindados até como suporte para regeneração de nervos, ossos, dentes e pele.

O LaMaV é coordenado pelos professores do DEMa Edgar Dutra Zanotto, Ana Cândida Martins Rodrigues, Oscar Peitl Filho e Marcello Andreeta e é referência científica internacional em pesquisas com materiais vítreos e vitrocerâmicos. Zanotto destaca a importância de uma formação ampla dos pesquisadores para oferecer soluções e produtos inovadores e que tragam benefícios para sociedade. “É difícil achar um projeto de ponta que não integre diferentes materiais. A integração entre vidro, metais, cerâmicas e polímeros é inevitável”, destaca. O LaMaV também sedia o Center for Research, Technology and Education in Vitreous Materials (CeRTEV), Centro de Pesquisa, Tecnologia e Educação em Materiais Vítreos, um dos 17 CEPIDS que reúne 14 pesquisadores da UFSCar, USP e Unesp–Araraquara, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Bioatividade
O LaMaV é pioneiro no desenvolvimento de um material vítreo que estimula a resposta celular e atua na regeneração de tecidos do corpo humano. “O desenvolvimento de fibras de vidro bioativo de forma contínua é algo inédito no mundo. Trabalhamos na composição do vidro e no método de fabricação das fibras. Esse material está sendo testado por diversos grupos de pesquisa de diferentes áreas como Medicina, Fisioterapia, Odontologia e Microbiologia, para uso no tratamento de feridas e doenças de pele”, afirma Zanotto. Para o docente, a aplicação de materiais sintéticos em meios biológicos ainda deve ser muito explorada no futuro. “A bioquímica da interface dos materiais e dos fluidos biológicos e células é extremamente complexa e ainda tem muito a ser estudada”, avalia.

Os primeiros estudos com materiais vítreo bioativos no LaMaV iniciaram em meados da década de 1990. O contato de Zanotto com o inventor do primeiro biovidro, o professor Larry Hench, da Universidade da Florida, foi um passo importante para o desenvolvimento dos estudos na UFSCar. “O professor Hench veio para ministrar um curso sobre o biovidro e tivemos a ideia de cristalizar o vidro para aumentar sua resistência”, conta Zanotto.

Desde então, a produção dos ex-alunos do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia dos Materiais (PPGCEM) já resulta em diversas patentes, como é o caso de materiais vítreos bioativos que podem ser utilizados para auxiliar a regeneração de ossos, dentes, nervos e pele. Além de estimular a regeneração destes tecidos, o material também apresenta propriedades antibacterianas. Devido à grande inovação contida nestas tecnologias, algumas das patentes geradas já foram licenciadas para a Vetra, empresa formada por ex-alunos do PPGCEM, Marina Trevelin Souza, Murilo Crovace e Clever Chinaglia.

Uma grande evolução para a utilização de materiais vítreos em meios biológicos foi o desenvolvimento do vidro F18. Este vidro combina propriedades que, a princípio, são antagônicas a estabilidade vítrea e alta bioatividade; permitindo assim, diferentemente dos outros vidros bioativos, sua conformação em formatos complexos, como fibras contínuas e peças 3D porosas. O vidro F18 além de estimular a proliferação celular e a formação de vasos sanguíneos e é totalmente reabsorvível, ou seja, depois de um período, o material é degradado no local da implantação, sendo gradativamente substituído pelo novo tecido, sem gerar rejeição por parte do hospedeiro. Os vidros bioativos possuem em sua composição cálcio, sódio, fósforo e sílica e, em meio biológico, esse material é dissolvido, permitindo a liberação dos íons que estimulam a proliferação celular. “No organismo, há a liberação dos íons em quantidades exatas que as células interpretam como uma sinalização para a proliferação”, explica Marina.

As pesquisas também permitiram a criação de um equipamento em escala laboratorial para a produção de fibras de vidro bioativo. Marina destaca que o vidro bioativo apresenta particularidades que dificultam sua produção. “O vidro bioativo tende a cristalizar facilmente quando aquecido, o que dificulta o seu processamento e conformação, então tivemos que fazer diversas modificações para garantir a estabilidade necessária para a produção das fibras bioativas. Durante o mestrado e doutorado, desenvolvemos diferentes dispositivos a partir desta nova tecnologia. Com as fibras do biovidro F18 desenvolvemos compósitos para regeneração de nervos, cartilagem e ossos e também devido à flexibilidade das novas fibras, conseguimos desenvolver membranas para regeneração de feridas da pele”, afirma.

O vidro F18 também apresentou resultados positivos em coberturas de implantes de titânio metálico, um material muito usado pela sua biocompatibilidade no organismo. “O vidro bioativo F18, além de acelerar a regeneração e a osseointegração, também possui função bactericida, diminuindo a incidência de infecções que podem levar a falha do implante”, destaca Marina.

A pesquisadora também atuou no desenvolvimento de um conduíte para a regeneração de nervos periféricos, que conduzem os sinais para face e membros. Este conduíte é um pequeno tubo que liga as partes rompidas dos nervos. A inovação neste dispositivo se encontra em seu design bi-camada, enquanto a parte externa, composta por material polimérico semipermeável, possibilita a passagem de fatores de crescimento celular, e parte interna é envolvida pelas fibras de vidro bioativo alinhadas, que estimulam a proliferação celular e guiam o crescimento do nervo até a sua reconstituição. “A célula nervosa precisa de um substrato alinhado para direcionar a regeneração do feixe nervoso. A presença das fibras bioativas de forma alinhada auxilia no processo de regeneração do nervo e a dissolução gradual do biovidro acelera a proliferação celular ”, explica a pesquisadora.

A compreensão do comportamento do novo biomaterial nos meios biológicos foi possível a partir da parceira com vários grupos de pesquisa que realizaram diversos testes in vitro e in vivo. Com todos estes anos de pesquisa, criamos a rede Biomaterials Research and Technology Network (Bionetec), que reúne mais de 70 pesquisadores de diversas universidades e instituições de pesquisa. “Queremos explorar as diversas características positivas do vidro F18 em um grande número de aplicações, até o momento temos obtido ótimos resultados com o uso deste novo biomaterial em seus diferentes formatos ”, afirma Marina.

Além das variadas aplicações, outros estudos buscam novas formas de produção de produtos com pó do vidro bioativo. Murilo Crovace desenvolve a aplicação da impressão 3D para a síntese de peças porosas, que se assemelham ao tecido ósseo. “Podemos fazer enxertos com formatos complexos, que podem ser otimizados, com dimensões específicas. A intenção é futuramente fazermos peças customizadas para cada paciente”, revela o pesquisador.
26/09/2016
10:17:00
03/10/2016
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Enzo Kuratomi
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Estudante, Docente/TA, Pesquisador, Visitante
Murilo e Mariana atuam no desenvolvimento de materiais com atividades biológicas.Foto: Enzo Kuratomi
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