LaGenBio da UFSCar realiza pesquisas pioneiras sobre a infertilidade

São Carlos
Estudos realizados na UFSCar têm se dedicado a aprofundar os conhecimentos sobre a relação da infertilidade feminina com as mitocôndrias (organelas celulares). As pesquisas são desenvolvidas no Laboratório de Genética e Biotecnologia (LaGenBio) do Departamento de Genética e Evolução (DGE) da Universidade, sob coordenação do professor Marcos Roberto Chiaratti, do DGE, em parceria com outros pesquisadores brasileiros e também da Inglaterra e do Canadá.

As mitocôndrias são organelas que se localizam no interior das células e são fundamentais no fornecimento da energia necessária aos diversos processos celulares. No caso dos óvulos, as mitocôndrias fornecem energia suficiente para a ovulação, fecundação e desenvolvimento embrionário. Com o envelhecimento das mulheres, as mitocôndrias também envelhecem e não conseguem, em muitos casos, suprir a necessidade energética requerida para esses processos, o que contribui para a infertilidade. "Além disso, defeitos mitocondriais podem levar à incorreta separação cromossômica durante o desenvolvimento dos óvulos, resultando em anormalidades genéticas como a que causa a Síndrome de Down, por exemplo", explica Chiaratti.

O professor afirma que o objetivo das pesquisas é compreender o complexo papel das mitocôndrias na fertilidade feminina e como o envelhecimento pode afetar a função dessas organelas. "Compreendendo esse processo, podemos tentar prevenir o envelhecimento das mitocôndrias, ampliando, assim, a vida fértil das mulheres". Além disso, Chiaratti acrescenta que os estudos também avaliam os casos de doenças mitocondriais (que podem resultar em quadros como cegueira, doenças neuromusculares graves, falência cardíaca e hepática e diabetes) que são transmitidas pelas mulheres para seus filhos, a partir de mutações no DNA das mitocôndrias.

Para atender a constante demanda por energia, as mitocôndrias se fundem e se dividem frequentemente, mantendo a atividade e mobilidade no interior da célula. Recentemente, os pesquisadores estudaram duas proteínas, chamadas de mitofusinas - Mfn1 e Mfn2 - que promovem a fusão mitocondrial. No contexto da fertilidade, a presença dessas proteínas no óvulo garante a ação das mitocôndrias no fornecimento da energia necessária para a formação do óvulo e desenvolvimento do embrião. Os pesquisadores verificaram que a ausência da proteína Mfn1 no óvulo afeta drasticamente a função mitocondrial, levando à infertilidade. "O óvulo que não expressa a proteína de fusão mitocondrial Mfn1 apresenta defeitos mitocondriais que impactam a produção de energia. Como consequência, as fêmeas de camundongos que estudamos com esse tipo de deficiência são inférteis", esclarece Chiaratti.

Outra descoberta fundamental da pesquisa foi que a deficiência de Mfn2, apesar de não resultar em efeito grave sobre a fertilidade, está associada com o desenvolvimento de doenças metabólicas nos descendentes. "Agora, é preciso compreender a relação da Mfn2 com distúrbios no metabolismo da glicose, conhecer mais profundamente como isso se deu e de que forma pode impactar pessoas com mutações na Mfn2", afirma o docente da UFSCar.

A pesquisa desenvolvida no LaGenBio e por seus parceiros é pioneira em revelar a importância das mitofusinas no óvulo. "São crescentes os estudos que têm avaliado a importância dessas proteínas em tecidos musculares, por exemplo, mas pouco se sabe sobre o papel das mitofusinas no óvulo", destaca Chiaratti. 

Tratamento
O pesquisador da UFSCar reforça que as pesquisas estão no campo da ciência básica e tem como propósito entender a relação entre as mitocôndrias e a produção do óvulo, para viabilizar no futuro o desenvolvimento de terapias para o tratamento da infertilidade. "Ainda não se tem um tratamento delineado, mas já cogitamos lançar mão de fármacos e outros métodos visando prevenir ou tratar os danos mitocondriais associados com a produção de óvulos inférteis", garante o docente.

No passado, o papel determinante das mitocôndrias para fertilidade do óvulo foi revelado por clínicas de reprodução assistida que realizaram a transferência de mitocôndrias de óvulos de mulheres jovens para óvulos de mulher inférteis. A infertilidade, aparentemente, era causada por mitocôndrias defeituosas, que tiveram sua função complementada pela suplementação com mitocôndrias normais, provenientes das mulheres jovens. Os resultados oriundos da aplicação dessa tecnologia foram surpreendentes já que, na maioria dos casos, a fertilidade foi completamente restabelecida. No entanto, esse procedimento resultou em bebês com três pais genéticos, pois continham o DNA nuclear dos pais propriamente ditos e DNA mitocondrial da terceira pessoa que doou as mitocôndrias. Além disso, algumas crianças geradas por este procedimento apresentaram alterações cromossômicas, o que levantou questionamentos acerca da segurança desta tecnologia.

No Brasil e em vários outros países, incluindo os Estados Unidos, a suplementação mitocondrial não é autorizada por questões de segurança da técnica e por razões jurídicas e éticas quanto à paternidade tripla da criança. Chiaratti relata que já existem outras tecnologias similares que utilizam a suplementação com mitocôndrias para tratar a infertilidade de mulheres, principalmente, quando há indícios de defeitos mitocondriais no óvulo. "Neste caso, essas técnicas propõem a utilização das mitocôndrias da própria paciente. As mitocôndrias introduzidas nos óvulos são isoladas de células-tronco do ovário da paciente, que não estão sujeitas aos mesmos danos ocasionados pelo envelhecimento. Esse isolamento de mitocôndrias, aparentemente, restabelece a fertilidade e sem a polêmica da tripaternidade", descreve o docente.

Marcos Chiaratti alerta, no entanto, que ainda precisam ser feitos muitos estudos que esclareçam como defeitos mitocondriais afetam a fertilidade dos óvulos e se esses defeitos podem ser tratados de forma segura pela suplementação mitocondrial, resultando em bebês saudáveis e sem anormalidades genéticas. "Os resultados de alguns dos nossos estudos, oriundos de modelos animais, têm fornecido subsídios importantes sobre o potencial dessas técnicas, mas são necessárias mais pesquisas antes que esses procedimentos possam ser empregados com segurança em humanos", conclui o pesquisador.
27/04/2017
13:00:00
08/05/2017
23:59:00
Gisele Bicaletto
Não
Não
Estudante, Docente/TA, Pesquisador, Visitante
Fig 1: óvulo normal. Fig 2: óvulo que não expressa as proteínas Mnf1 e Mfn2. Foto: Pesquisa
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