Pesquisa investiga referências ao povo negro na Sociologia Brasileira
Araras, Sorocaba, Lagoa do Sino, São Carlos
Analisar parte da literatura de cinco grandes autores da Sociologia Brasileira - Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Roger Bastide, Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes - buscando referências ao povo negro é o atual trabalho de pesquisa de Priscila Martins Medeiros, professora do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar. "Trazer à tona elementos discutidos nos textos destes autores sobre o negro no Brasil, buscando pontos que, por ventura, tenham sido silenciados pela Sociologia clássica, nos ajuda a rever nossa história e também o lugar social conferido ao negro na sociedade brasileira", explica a docente.
A intenção da pesquisadora é buscar nessa literatura elementos de crítica à estrutura colonial e aos seus efeitos, a exemplo da desumanização da experiência social de negros e negras, processo que pode ser chamado de "racialização". O interesse pelo tema surgiu a partir de duas experiências de Medeiros, uma com a disciplina de Sociologia Brasileira, que leciona na Universidade, e a outra no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) do qual faz parte. "Relendo autores clássicos para a disciplina de Sociologia Brasileira, percebi que um tema que atravessa todos eles é o das possibilidades de modernização e de progresso do País. Por outro lado, no NEAB, temos nos debruçado, dentre outros assuntos, sobre como o negro foi tratado na história enquanto um desvio, um anexo da população, um elemento anti-moderno na história da colonização brasileira ou até da América Latina", conta a pesquisadora.
Estimulada por essas leituras, surgiu o interesse em compreender mais a fundo as obras de Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Roger Bastide, Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes, autores que marcaram a Sociologia Brasileira do século XX que, segundo Medeiros, são referências para se compreender as noções de modernidade e de progresso no País, nas quais o negro se inseria como um "elemento estranho" ou à parte. "Faço também uma relação destes autores com outros estrangeiros que abordam temas pós-coloniais ou da diáspora africana, tais como Stuart Hall, Paul Gilroy, Frantz Fanon e Du Bois", descreve a docente.
Medeiros pretende, com isso, encontrar pontos de conexão, ou de contato, entre a Sociologia que se fez no Brasil e as críticas realizadas pelos autores pós-coloniais, que analisam a condição dos descendentes de africanos sem se limitar aos "muros" do Estado Nação, ampliando o debate para o contexto transnacional da diáspora africana.
De acordo com a pesquisadora, há pontos de conexão entre os autores brasileiros e estrangeiros e que ficaram esquecidos ao longo da história da Sociologia Brasileira. "E não foi à toa. Eles ficaram encobertos em nome de um ideário de democracia racial, devido a uma tendência política e literária muito forte de construir uma tese de que não teríamos um problema racial no Brasil. O problema seria o negro; ele seria o anti-moderno e que não se enquadraria no progresso do País", afirma ela.
Por exemplo, Roger Bastide, no livro "As Américas Negras", de 1967, fala sobre a presença e a sobrevivência de civilizações africanas no Brasil. Nesta publicação, o autor aborda a existência de "retenções africanas" no Brasil e de como elas estavam enraizadas desde em nossos costumes mais simples (fé, alimentação, linguagem, formas de solidariedade etc.) até no funcionamento de nossas instituições. Medeiros diz que Bastide raramente é lembrado por este material, até porque ele contradiz o discurso de assimilação cultural, no qual as referências africanas estariam diluídas numa "cultura nacional morena".
Para o estudo em questão, Medeiros foca em três núcleos de análise: ethos nacional, ou seja, como os autores da Sociologia Brasileira entendem a constituição do "ser brasileiro" e das principais características formadoras da cultura do País; a modernidade e quais compreensões os autores têm a respeito dela e de seus componentes formadores; e, por fim, como os escritores desenvolvem o que ficou conhecido no Brasil como o "problema do negro". "Esses três aspectos estão conectados entre si. A forma como a Sociologia foi construída no Brasil fez com que, de fato, o negro fosse considerado um ponto fora do nosso ethos ou, no máximo, um estágio inferior no longo processo rumo à modernização. Ele não era entendido a partir das suas características étnicas", diz a pesquisadora.
O pressuposto apresentado por Medeiros é que os textos ou fragmentos de textos que tentaram mostrar a presença da África no Brasil, ou ainda as consequências da desumanização imposta aos negros pela colonização, ficaram à sombra da nossa Sociologia. "Para usar termos apresentados por Guerreiro Ramos, existe no Brasil uma patologia social e coletiva, uma patologia do branco que confere ao negro a categoria de problema", enfatiza a professora.
Para ela, esta imposição causa efeitos emocionais devastadores aos negros, além de uma grande desilusão por não se enquadrar na lógica do embranquecimento. "Isso é muito próximo do que Frantz Fanon, chamou de ressentimento. Mas, o ressentimento é, tanto para Fanon quanto para Guerreiro Ramos, uma etapa, uma passagem, pois ambos recusam o status de problema conferido aos negros. Os dois autores enfocam nas possibilidades de resistência aos efeitos da colonização e de superação da condição de subalternidade", explica Medeiros.
Sobre a pertinências do estudo, ela justifica: "Porque justamente os estudos pós-coloniais nos permitem olhar além dos limites do Estado Nacional, e nos permitem saber quais são nossas conexões em um processo que chamamos de diáspora africana. Quando nós saímos de uma leitura de um Estado Nacional e ampliamos para um estado transnacional, nós conseguimos retomar elementos, memórias e histórias africanas presentes no Brasil, e que foram encobertos pela lógica de um País mestiço. Essa lógica, por si só, significou uma grande violência aos descendentes africanos e um limitador à compreensão profunda do Brasil", conclui.
O tema já foi apresentado pela pesquisadora da UFSCar no Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em 2016, quando começou o levantamento. Este ano, ela levará a pesquisa para o Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, em Brasília.
A intenção da pesquisadora é buscar nessa literatura elementos de crítica à estrutura colonial e aos seus efeitos, a exemplo da desumanização da experiência social de negros e negras, processo que pode ser chamado de "racialização". O interesse pelo tema surgiu a partir de duas experiências de Medeiros, uma com a disciplina de Sociologia Brasileira, que leciona na Universidade, e a outra no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) do qual faz parte. "Relendo autores clássicos para a disciplina de Sociologia Brasileira, percebi que um tema que atravessa todos eles é o das possibilidades de modernização e de progresso do País. Por outro lado, no NEAB, temos nos debruçado, dentre outros assuntos, sobre como o negro foi tratado na história enquanto um desvio, um anexo da população, um elemento anti-moderno na história da colonização brasileira ou até da América Latina", conta a pesquisadora.
Estimulada por essas leituras, surgiu o interesse em compreender mais a fundo as obras de Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Roger Bastide, Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes, autores que marcaram a Sociologia Brasileira do século XX que, segundo Medeiros, são referências para se compreender as noções de modernidade e de progresso no País, nas quais o negro se inseria como um "elemento estranho" ou à parte. "Faço também uma relação destes autores com outros estrangeiros que abordam temas pós-coloniais ou da diáspora africana, tais como Stuart Hall, Paul Gilroy, Frantz Fanon e Du Bois", descreve a docente.
Medeiros pretende, com isso, encontrar pontos de conexão, ou de contato, entre a Sociologia que se fez no Brasil e as críticas realizadas pelos autores pós-coloniais, que analisam a condição dos descendentes de africanos sem se limitar aos "muros" do Estado Nação, ampliando o debate para o contexto transnacional da diáspora africana.
De acordo com a pesquisadora, há pontos de conexão entre os autores brasileiros e estrangeiros e que ficaram esquecidos ao longo da história da Sociologia Brasileira. "E não foi à toa. Eles ficaram encobertos em nome de um ideário de democracia racial, devido a uma tendência política e literária muito forte de construir uma tese de que não teríamos um problema racial no Brasil. O problema seria o negro; ele seria o anti-moderno e que não se enquadraria no progresso do País", afirma ela.
Por exemplo, Roger Bastide, no livro "As Américas Negras", de 1967, fala sobre a presença e a sobrevivência de civilizações africanas no Brasil. Nesta publicação, o autor aborda a existência de "retenções africanas" no Brasil e de como elas estavam enraizadas desde em nossos costumes mais simples (fé, alimentação, linguagem, formas de solidariedade etc.) até no funcionamento de nossas instituições. Medeiros diz que Bastide raramente é lembrado por este material, até porque ele contradiz o discurso de assimilação cultural, no qual as referências africanas estariam diluídas numa "cultura nacional morena".
Para o estudo em questão, Medeiros foca em três núcleos de análise: ethos nacional, ou seja, como os autores da Sociologia Brasileira entendem a constituição do "ser brasileiro" e das principais características formadoras da cultura do País; a modernidade e quais compreensões os autores têm a respeito dela e de seus componentes formadores; e, por fim, como os escritores desenvolvem o que ficou conhecido no Brasil como o "problema do negro". "Esses três aspectos estão conectados entre si. A forma como a Sociologia foi construída no Brasil fez com que, de fato, o negro fosse considerado um ponto fora do nosso ethos ou, no máximo, um estágio inferior no longo processo rumo à modernização. Ele não era entendido a partir das suas características étnicas", diz a pesquisadora.
O pressuposto apresentado por Medeiros é que os textos ou fragmentos de textos que tentaram mostrar a presença da África no Brasil, ou ainda as consequências da desumanização imposta aos negros pela colonização, ficaram à sombra da nossa Sociologia. "Para usar termos apresentados por Guerreiro Ramos, existe no Brasil uma patologia social e coletiva, uma patologia do branco que confere ao negro a categoria de problema", enfatiza a professora.
Para ela, esta imposição causa efeitos emocionais devastadores aos negros, além de uma grande desilusão por não se enquadrar na lógica do embranquecimento. "Isso é muito próximo do que Frantz Fanon, chamou de ressentimento. Mas, o ressentimento é, tanto para Fanon quanto para Guerreiro Ramos, uma etapa, uma passagem, pois ambos recusam o status de problema conferido aos negros. Os dois autores enfocam nas possibilidades de resistência aos efeitos da colonização e de superação da condição de subalternidade", explica Medeiros.
Sobre a pertinências do estudo, ela justifica: "Porque justamente os estudos pós-coloniais nos permitem olhar além dos limites do Estado Nacional, e nos permitem saber quais são nossas conexões em um processo que chamamos de diáspora africana. Quando nós saímos de uma leitura de um Estado Nacional e ampliamos para um estado transnacional, nós conseguimos retomar elementos, memórias e histórias africanas presentes no Brasil, e que foram encobertos pela lógica de um País mestiço. Essa lógica, por si só, significou uma grande violência aos descendentes africanos e um limitador à compreensão profunda do Brasil", conclui.
O tema já foi apresentado pela pesquisadora da UFSCar no Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em 2016, quando começou o levantamento. Este ano, ela levará a pesquisa para o Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, em Brasília.
24/05/2017
13:00:00
03/06/2017
23:59:00
Mariana Ignatios
Não
Não
Estudante, Docente/TA, Pesquisador, Visitante
Priscila Martins Medeiros é docente do Departamento de Ciências Socias (Foto: Mariana Ignatios)
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