Estudo revela animal que vivia em Araraquara há 140 milhões de anos
Lagoa do Sino
Uma pesquisa de doutorado, realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais (PPGERN) da UFSCar, descreveu os rastros de mais um parente dos mamíferos atuais, que viveu na região de Araraquara durante a "Era dos Dinossauros", há cerca de 140 milhões de anos.
As pegadas, encontradas nos arenitos da Formação Botucatu - antigo deserto de dunas que existiu na Era Mesozoica, cobrindo boa parte do que hoje são os continentes da América do Sul e África -, já eram conhecidas dos cientistas há vários anos. Porém, o estudo da UFSCar fez uma nova análise das pegadas e as comparou com outros rastros fósseis do mundo inteiro. Os pesquisadores afirmam que as pegadas analisadas pertencem a um organismo mamaliforme (semelhante aos mamíferos atuais) do tamanho de um cão de pequeno porte, que viveu nas imediações de um grande deserto que se estendia por boa parte da América do Sul e da África há cerca de 140 milhões de anos. A partir dessas constatações, uma nova classificação das pegadas foi registrada com o nome de Aracoaraichnium leonardii, homenageando a cidade de Araraquara e o padre paleontólogo Giuseppe Leonardi, conhecido por ter trabalhado extensivamente com as pegadas fósseis da Formação Botucatu.
O trabalho foi conduzido pelo doutorando Pedro Victor Buck, com orientação do docente Marcelo Adorna Fernandes, do Departamento de Biologia e Ecologia Evolutiva (DEBE) da UFSCar. O estudo consiste na descrição e investigação das pegadas de mamaliformes encontradas nos arenitos da Formação Botucatu e tem financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Os arenitos analisados são muito explorados no interior de São Paulo como pedras ornamentais. Apesar de muito utilizados no passado para o calçamento urbano de várias cidades do interior paulista, pouca gente conhece o segredo que eles guardam. Os arenitos da Formação Botucatu são reconhecidos por cientistas do mundo todo pela preservação de pegadas de dinossauros e outros organismos extintos, que viveram durante o auge da "Era dos Dinossauros". Muitas dessas pegadas são, inclusive, encontradas nos calçamentos das cidades, como foi o caso de uma das lajes analisadas na pesquisa. "A laje foi identificada e, depois de ter sua importância reconhecida pela nossa equipe, foi resgatada do calçamento público e depositada no Laboratório de Paleoecologia e Paleoicnologia (LPP) da UFSCar", afirma Fernandes.
Para realizar o estudo, os paleontólogos analisaram diversas lajes de arenito com pegadas semelhantes às que foram registradas agora, depositadas no LPP e no Museu Nacional do Rio de Janeiro, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A partir dessa análise, foi possível diferenciar essas pegadas das de um mamífero de menor porte já conhecidas para a Formação Botucatu, chamadas de Brasilichnium, com base, principalmente, na morfologia da impressão dos dedos do animal. "Quando as pegadas de Aracoaraichnium e de Brasilichnium são comparadas, elas apresentam formato oval bastante similar. Elas são mais largas do que compridas, o que é uma característica típica de organismos mamaliformes. Porém, quando são comparados os dedos preservados nas pegadas, eles apresentam diferenças suficientes para mostrar que as pegadas foram produzidas por espécies de animais distintas", explica Buck.
Além das diferenças nos dedos das mãos e dos pés, existem outras evidências que reforçam a interpretação de duas espécies distintas. "Não foram observadas pegadas com tamanhos intermediários entre Brasilichnium e Aracoaraichnium, diminuindo em muito a chance do segundo representar apenas indivíduos mais velhos ou maiores que o primeiro", afirma o pesquisador. Outra diferença reside em aspectos da locomoção desses animais, que podem ser conferidos pela análise das pistas produzidas (conjunto de pegadas sucessivas) por ambos. "As pistas atribuídas a Aracoaraichnium mostram que a espécie que as produziu apresentava uma passada mais curta, quando comparada com a espécie que produziu as pistas de Brasilichnium", explica Aline Ghilardi, pós-doutoranda da UFSCar que participa da pesquisa. "Isso pode ser observado por um cálculo simples, dividindo-se o comprimento da pegada pela distância do passo. Com base neste índice, infere-se que o produtor de Aracoaraichnium possuía membros mais curtos em relação ao tronco do que o produtor de Brasilichnium", complementa Buck.
As pegadas atribuídas a organismos mamaliformes são muito importantes para a paleontologia nacional, uma vez que estas seriam os únicos registros desses animais para o Cretáceo brasileiro. O estudo de pegadas é, até o momento, o único meio de se entender sobre a evolução, ecologia e distribuição destes organismos nesse intervalo de tempo no Brasil. Estima-se, com base nas pegadas, que pelo menos dois animais mamaliformes viveram no enorme deserto que cobriu parte do interior de São Paulo durante o início do Cretáceo. Eles são, justamente, aquele cujas pegadas foram chamadas de Brasilichnium, animal de menor porte, podendo apresentar dois tipos de locomoção (cursorial e saltatorial), e o descrito no atual estudo da UFSCar, cujas pegadas receberam o nome de Aracoaraichnium leonardii, acrescentando, assim, mais uma peça no quebra-cabeça da Formação Botucatu. De acordo com os responsáveis pelo trabalho, do ponto de vista ecológico, a espécie representada pelas pegadas denominadas de Aracoaraichnium provavelmente era insetívora, alimentando-se de aracnídeos e insetos que viviam no antigo deserto - já há pistas encontradas e atribuídas a estes animais - e, por outro lado, serviam de alimento para os dinossauros carnívoros que habitavam a região.
A partir do estudo foi produzido um artigo recentemente publicado na revista Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, que tem grande impacto internacional na área da Paleontologia. Os autores do artigo são Pedro Buck, Aline Ghilardi, Luciana dos Reis Fernandes, técnica do LPP da UFSCar, e Marcelo Adorna Fernandes.
Região de Araraquara
Grande parte do território brasileiro e da América do Sul foi coberta por um imenso deserto de dunas durante o fim do Período Jurássico e início do período Cretáceo (cerca de 140 milhões de anos atrás). Estima-se que este deserto - chamado de "Paleodeserto Botucatu" se estendeu por aproximadamente 1,6 milhões km² e atualmente a sua existência é reconhecida por meio dos arenitos da Formação Botucatu. Uma das principais localidades fossilíferas do Paleodeserto Botucatu é a região do município de Araraquara. Centenas de lajes de arenito contendo pegadas e rastros dos animais que viveram nessa região quando o deserto existiu já foram coletadas e estão depositadas em coleções científicas e museus do Brasil. Até o momento, já foram identificados rastros e pegadas de dinossauros carnívoros (Theropoda) e herbívoros (Ornithopoda), animais de afinidade mamaliforme e invertebrados, como aracnídeos e insetos. A partir desses registros, estudos sobre ecologia e diversidade deste ambiente também estão sendo realizados.
Assista a reportagem que a TV UFSCar produziu sobre a descoberta:
As pegadas, encontradas nos arenitos da Formação Botucatu - antigo deserto de dunas que existiu na Era Mesozoica, cobrindo boa parte do que hoje são os continentes da América do Sul e África -, já eram conhecidas dos cientistas há vários anos. Porém, o estudo da UFSCar fez uma nova análise das pegadas e as comparou com outros rastros fósseis do mundo inteiro. Os pesquisadores afirmam que as pegadas analisadas pertencem a um organismo mamaliforme (semelhante aos mamíferos atuais) do tamanho de um cão de pequeno porte, que viveu nas imediações de um grande deserto que se estendia por boa parte da América do Sul e da África há cerca de 140 milhões de anos. A partir dessas constatações, uma nova classificação das pegadas foi registrada com o nome de Aracoaraichnium leonardii, homenageando a cidade de Araraquara e o padre paleontólogo Giuseppe Leonardi, conhecido por ter trabalhado extensivamente com as pegadas fósseis da Formação Botucatu.
O trabalho foi conduzido pelo doutorando Pedro Victor Buck, com orientação do docente Marcelo Adorna Fernandes, do Departamento de Biologia e Ecologia Evolutiva (DEBE) da UFSCar. O estudo consiste na descrição e investigação das pegadas de mamaliformes encontradas nos arenitos da Formação Botucatu e tem financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Os arenitos analisados são muito explorados no interior de São Paulo como pedras ornamentais. Apesar de muito utilizados no passado para o calçamento urbano de várias cidades do interior paulista, pouca gente conhece o segredo que eles guardam. Os arenitos da Formação Botucatu são reconhecidos por cientistas do mundo todo pela preservação de pegadas de dinossauros e outros organismos extintos, que viveram durante o auge da "Era dos Dinossauros". Muitas dessas pegadas são, inclusive, encontradas nos calçamentos das cidades, como foi o caso de uma das lajes analisadas na pesquisa. "A laje foi identificada e, depois de ter sua importância reconhecida pela nossa equipe, foi resgatada do calçamento público e depositada no Laboratório de Paleoecologia e Paleoicnologia (LPP) da UFSCar", afirma Fernandes.
Para realizar o estudo, os paleontólogos analisaram diversas lajes de arenito com pegadas semelhantes às que foram registradas agora, depositadas no LPP e no Museu Nacional do Rio de Janeiro, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A partir dessa análise, foi possível diferenciar essas pegadas das de um mamífero de menor porte já conhecidas para a Formação Botucatu, chamadas de Brasilichnium, com base, principalmente, na morfologia da impressão dos dedos do animal. "Quando as pegadas de Aracoaraichnium e de Brasilichnium são comparadas, elas apresentam formato oval bastante similar. Elas são mais largas do que compridas, o que é uma característica típica de organismos mamaliformes. Porém, quando são comparados os dedos preservados nas pegadas, eles apresentam diferenças suficientes para mostrar que as pegadas foram produzidas por espécies de animais distintas", explica Buck.
Além das diferenças nos dedos das mãos e dos pés, existem outras evidências que reforçam a interpretação de duas espécies distintas. "Não foram observadas pegadas com tamanhos intermediários entre Brasilichnium e Aracoaraichnium, diminuindo em muito a chance do segundo representar apenas indivíduos mais velhos ou maiores que o primeiro", afirma o pesquisador. Outra diferença reside em aspectos da locomoção desses animais, que podem ser conferidos pela análise das pistas produzidas (conjunto de pegadas sucessivas) por ambos. "As pistas atribuídas a Aracoaraichnium mostram que a espécie que as produziu apresentava uma passada mais curta, quando comparada com a espécie que produziu as pistas de Brasilichnium", explica Aline Ghilardi, pós-doutoranda da UFSCar que participa da pesquisa. "Isso pode ser observado por um cálculo simples, dividindo-se o comprimento da pegada pela distância do passo. Com base neste índice, infere-se que o produtor de Aracoaraichnium possuía membros mais curtos em relação ao tronco do que o produtor de Brasilichnium", complementa Buck.
As pegadas atribuídas a organismos mamaliformes são muito importantes para a paleontologia nacional, uma vez que estas seriam os únicos registros desses animais para o Cretáceo brasileiro. O estudo de pegadas é, até o momento, o único meio de se entender sobre a evolução, ecologia e distribuição destes organismos nesse intervalo de tempo no Brasil. Estima-se, com base nas pegadas, que pelo menos dois animais mamaliformes viveram no enorme deserto que cobriu parte do interior de São Paulo durante o início do Cretáceo. Eles são, justamente, aquele cujas pegadas foram chamadas de Brasilichnium, animal de menor porte, podendo apresentar dois tipos de locomoção (cursorial e saltatorial), e o descrito no atual estudo da UFSCar, cujas pegadas receberam o nome de Aracoaraichnium leonardii, acrescentando, assim, mais uma peça no quebra-cabeça da Formação Botucatu. De acordo com os responsáveis pelo trabalho, do ponto de vista ecológico, a espécie representada pelas pegadas denominadas de Aracoaraichnium provavelmente era insetívora, alimentando-se de aracnídeos e insetos que viviam no antigo deserto - já há pistas encontradas e atribuídas a estes animais - e, por outro lado, serviam de alimento para os dinossauros carnívoros que habitavam a região.
A partir do estudo foi produzido um artigo recentemente publicado na revista Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, que tem grande impacto internacional na área da Paleontologia. Os autores do artigo são Pedro Buck, Aline Ghilardi, Luciana dos Reis Fernandes, técnica do LPP da UFSCar, e Marcelo Adorna Fernandes.
Região de Araraquara
Grande parte do território brasileiro e da América do Sul foi coberta por um imenso deserto de dunas durante o fim do Período Jurássico e início do período Cretáceo (cerca de 140 milhões de anos atrás). Estima-se que este deserto - chamado de "Paleodeserto Botucatu" se estendeu por aproximadamente 1,6 milhões km² e atualmente a sua existência é reconhecida por meio dos arenitos da Formação Botucatu. Uma das principais localidades fossilíferas do Paleodeserto Botucatu é a região do município de Araraquara. Centenas de lajes de arenito contendo pegadas e rastros dos animais que viveram nessa região quando o deserto existiu já foram coletadas e estão depositadas em coleções científicas e museus do Brasil. Até o momento, já foram identificados rastros e pegadas de dinossauros carnívoros (Theropoda) e herbívoros (Ornithopoda), animais de afinidade mamaliforme e invertebrados, como aracnídeos e insetos. A partir desses registros, estudos sobre ecologia e diversidade deste ambiente também estão sendo realizados.
Assista a reportagem que a TV UFSCar produziu sobre a descoberta:
30/06/2017
13:00:00
15/07/2017
23:59:00
Gisele Bicaletto
Sim
Não
Estudante, Docente/TA, Pesquisador, Visitante
Reconstituição do produtor das pegadas Aracoaraichnium leornardii. Arte: Aline Ghilardi
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